VIVER TERESINA

É um espaço destinado a colher informações e a divulgar a poesia contemporânea brasileira, a tradição poética nacional e a vanguarda internacional. Historiadores e ensaístas poderão publicar também textos sobre a história do Brasil. O nome Viver Teresina é uma homenagem a um movimento literário criado pelo escritor Menezes y Morais nos anos 70 em Teresina.

Email: chicocastropi@gmail.com


segunda-feira, 28 de junho de 2010

QUEM TEM MEDO DE CAPITU?


Franzino, mulato, gago, epiléptico, vendedor de pirulito. O leitor pode imaginar que se trata de uma das sete milhões de crianças abandonadas do Brasil. Ledo engano. Estou falando do escritor Joaquim Maria Machado de Assis, nascido no Morro do Livramento, no Rio de Janeiro em 1839, e falecido na mesma cidade em 1908.

A infância foi marcada pela pobreza. Perdeu a mãe quando tinha dez anos, sendo criado pela segunda mulher de seu pai, a lavadeira Maria Inês. O genitor era um simples pintor de paredes.

Machado de Assis foi sacristão na Igreja da Lampadosa. Aprendeu francês com o padeiro Gallot. Depois, foi trabalhar como revisor e caixeiro na Imprensa Nacional, à época dirigida pelo escritor Manuel Antônio de Almeida, autor da imortal obra Memórias de um Sargento de Milícias, hoje um clássico na literatura de Língua Portuguesa.

Em 1869 casou-se com a portuguesa Carolina Augusta Xavier de Novais, senhora de fino trato, rica e culta, que introduziu verticalmente o futuro inventor do romance nacional, à leitura dos escritores renomados da literatura portuguesa e inglesa. O casamento de Machado com Carolina durou 35 anos, interrompido pela morte da esposa em 1904, no mesmo ano em que publicava o monumental romance Esaú e Jacó.

Machado continua sendo o maior escritor brasileiro, mesmo depois de 100 anos de seu falecimento comemorado em todo país em 2008. Aos 15 anos publicara seu primeiro poema, Ela, no jornal A Marmota Fluminense. Os críticos costumam dizer que se não fosse a segunda parte de sua obra romancística, que compreende Brás Cubas (1881), Quincas Borba (1891), Dom Casmurro (1900), Esaú e Jacó (1904) e Memorial de Aires (1908), ele não teria alcançado o prestígio de ter sido reconhecido ainda em vida como a maior expressão da Literatura Brasileira.

108 anos depois de sua publicação, Dom Casmurro continua sendo o seu romance mais emblemático. Eis um pequeno resumo: Bentinho, personagem principal, narra a sua história com Capitu, sua amiga de infância e primeira namorada, posteriormente esposa. Capitu tem uma amiga, Sancha. Bentinho vai para o seminário cumprir uma promessa da mãe, mesmo não tendo vocação e sentindo-se cada vez mais atraído por Capitu. No seminário ele conhece Escobar e os dois ficam muito amigos. Ambos terminam por abandonar o sacerdócio. Bentinho casa-se com Capitu e Escobar com Sancha.

Para alegria do casal, Capitu fica grávida nascendo-lhe Ezequiel. Uma tragédia, porém, vem para quebrar a alegria dos dois casais: Escobar morre afogado no mar. No velório, Bentinho nota que Capitu sofre mais do que Sancha, embora use o artifício do disfarçe. Surgem então no coração de Bentinho os ciúmes, as dúvidas sobre um possível relacionamento entre Capitu e Escobar. Observando o filho, Bentinho vê semelhanças entre o filho e o amigo morto. Sofre calado, pensa em matar os dois, e depois se matar.

Quando a angústia guardada chega ao ponto máximo, fala com a esposa sobre as suas amargas apreensões. Capitu ouve a acusação, mas não nega nem confirma. Capitu vai para a Europa e Bentinho fica sozinho, amargando a solidão, os ciúmes e a descrença no ser humano. Capitu morre algum tempo depois. Ezequiel volta, já moço, com a idéia de fazer uma expedição à Grécia, ao Egito e à Palestina. Bentinho não somente o incentiva como também o ajuda financeiramente. Nova tragédia:Ezequiel morre durante a expedição. A história vai sendo contada até o fim por um narrado já velho, que resolve atar as pontas da vida, revivendo a infância, a adolescência e o fracassado casamento com uma mulher supostamente infiel. Antes de pensar num caso amoroso entre Capitu e Escobar, creio eu que Bentinho era verdadeiramente apaixonado por Escobar e não propriamente por Capitu! É um exemplo de veadagem implícita pouco estudada pelos críticos do Brasil e do exterior.

Esta história simples de uma traição (pelo menos na cabeça de Bentinho) revela, no entanto, vários aspectos da condição humana: o humor, a crítica mordaz aos costumes (Machado era um excelente observador do cotidiano no que ele tem de mais profundo e banal) e a vida da sociedade brasileira do II Reinado, marcada por uma microfísica familiar baseada na tradição católica brasileira. O universo narrado por Bentinho, historicamente, compreende o período entre 1857, quando de fato começa a narrativa, e os primeiros acontecimentos pertinentes à fase posterior à Proclamação da República, para muitos um golpe de Estado ao qual o povo brasileiro não teve qualquer participação. Para quem não sabe, Machado, um convicto monarquista, conservava o retrato de D. Pedro II em seu gabinete no ministério onde trabalhava, mesmo depois do dia 15 de novembro de 1889!

O ambiente narrado pelo Bruxo do Cosme Velho se instaura marcado por uma profunda contradição: de um lado, um certo liberalismo político, e do outro, a presença de uma sociedade injusta e desigual, fortemente selada por uma escravidão secular. Em 1850, o Brasil contava com cerca de 2,5 (outros pesquisadores afirmam que o número era bem maior, visto não ter um censo seguro) milhões de cativos que amargavam um trabalho pesado no campo e na cidade.Assim, podia-se ver na Corte carruagens reluzentes, festas monumentais e uma corrida desenfreada pela compra de ações, que acabou por elevar o número de ricos para patamares consideráveis (como é o caso do personagem Santos, do romance Esaú e Jacó), enquanto a gentalha perambulava pelas ruas sujas e tortas do Rio de Janeiro.

A classe média brasileira, o empreguismo à solta, os novos métodos e técnicas para a agricultura, o crescimento das cidades, o desenvolvimento do comércio e o aparecimento de profissionais liberais são frutos do II Reinado. O Barão de Mauá, o primeiro grande capitalista brasileiro, engendrou a fundição de ferro, a construção naval, a criação de transportes fluviais, a iluminação pública, o que o levou a ser considerado no século XX o criador da indústria brasileira.

É desse caldeirão social que Machado de Assis se alimenta e fomenta os seus personagens. Dom Casmurro é o maior intérprete de sua própria agonia e dos espasmos finais do II Reinado. O escritor se coloca como a interface de um período que chegava ao fim, e de outro que começava, a República, que trazia em seu bojo as contradições incrivelmente ainda não completamente saneadas, mesmo depois de mais um século de seu advento.

No século XIX, como ainda hoje se perpetua no século XXI, as decisões vinham sempre de cima. No caso do II Reinado, o comando originava-se do Poder Moderador, representado por D. Pedro II. Este escolhia o presidente do Conselho de Ministros que, por seu turno, convocava as eleições, em geral, fraudulentas (como foram quase todas as eleições no período republicano), para conduzir os donos da terra ou os seus representantes ao poder legislativo (a Câmara dos Deputados), já que os senadores não eram eleitos, mas elevados à cadeira senatorial por escolha pessoal do velho monarca.

Machado é a ponte entre o Brasil agrário e urbano, reacionário e moderno. Se escrevesse em inglês seria mais famoso do que Shakespeare. Por não ser uma língua imperialista, o Português amarga a eterna desventura de viver na solidão em relação ao concerto das grandes Nações. Ainda não ganhamos nenhum Nobel de Literatura. Mas, para um país como o nosso que, em 1890 , tinha uma população calculada em 10 milhões de habitantes, da qual 84% não sabia ler nem escrever, ter um Machado era uma redenção e uma glória, pois ele foi, na minha modesta opinião, o verdadeiro criador do gosto pela leitura no Brasil. Que o diga José de Alencar.

Chico Castro

*Originalmente este artigo foi publicado no jornal Diário do Povo, em 1988 para comemorar os 80 anos de morte da Machado de Assis e republicado no mesmo jornal, em 2008 para comemorar o centenário de morte do autor de Dom Casmurro.

sábado, 26 de junho de 2010

QUANDO

Quando o Brasil não tiver mais ladrão
E toda gente puder andar pela rua
Quando a verdade já não for mentira pura
E eu poder dançar com você pelo salão.

Quando a dona de casa for ao supermercado
E não arregalar os olhos com os números da inflação
Quando eu puder pegar enfim na sua mão
E eu não sentir mais o coração tão apertado

Quando o governo deixar de mandar recado
E dizer ao povo que ele mesmo é o patrão
Quando os políticos deixarem de tanta enrolação

E o bailarino puder mostrar o seu sapateado
Quando o coração do amante for sacramentado
Isso é mourão cantado, isso é cantar mourão.

Chico Castro

sexta-feira, 25 de junho de 2010

HOJE, 25/06/2010, CASTELLINHO FARIA 90 ANOS


                                                                              Castellinho no Porto das Barcas

Paeslandim, Castellinho, Alvaro Pacheco e Arnaldo Niskier
       
     Castellinho na Sorveteria Araújo                 João Condé e Castellinho

                O jornalista Carlos Castello Branco em visita ao litoral piauiense, no período de 22 a 24 de janeiro de 1993. Castellinho, veio a falececer meses depois. Acervo de Enéas Barros.


Castello, Castellinho, Castellão

Escrevo este texto em memória do jornalista Carlos Castello Branco, exemplo único do melhor jornalismo político do Brasil. Prestou, durante mais de 40 anos, um serviço de informação de primeira linha, marcado pela isenção e pela ética jornalísticas, atualmente qualidades pouco comuns no exercício da profissão. A Coluna do Castello no Jornal do Brasil sintetizou por 30 anos a história contemporânea do país,e era lida logo no café da manhã, por políticos e intelectuais independentemente de coloração partidária ou tendência artística. Ele nasceu em Teresina a 25 de junho de 1920, filho de Cristino Castelo Branco e de Dulcila Santana Castelo Branco.

No tempo em que a diáspora brasileira era mais evidente – nos anos 20 do século passado, mais de 80% da população morava no campo e o restante nas cidades, e hoje se verifica exatamente o contrário – Castello saiu do antigo Liceu Piauiense (antes fez o curso primário no Grupo Escolar Teodoro Pacheco) para buscar novos ares, ou melhor, em busca de um lugar ao sol, primeiro em Belo Horizonte, depois Rio de Janeiro e Brasília. Contava apenas 16 anos de idade quando partiu para a capital mineira. Ainda em Teresina já era apaixonado pelo jornalismo e pelos livros, segundo o depoimento de seu amigo e colega de Liceu, Abdias Silva, que o chamava pelo apelido de Pixote. Sua estréia literária deu-se num catálogo telefônico da capital com a crônica “Teresina na distância”.

Viveu em Belo Horizonte de 1937 a 1945 e ali formou-se em Direito. No início da carreira, foi repórter policial. Aprendeu na grei do jornalismo policialesco, que depois foi aprimorado no jornalismo político, que o que se pode dizer em duas palavras, não se gasta cinco, como lembrou certa vez sua mulher Élvia Castello Branco Lordello, também já falecida, em entrevista concedida depois das homenagens póstumas que o Senado Federal fez ao marido.

Em Belo Horizonte conviveu com pessoas do porte do poeta Emílio Moura que, para Carlos Drummond de Andrade, era o poeta de máxima importância para a lírica modernista tupiniquim, além, é claro, de escritores como Fernando Sabino, Paulo Mendes Campos e Otto Lara Resende, a fina flor da cultura brasileira que se consagrou desde os anos 50 até os nossos dias. De Belo Horizonte foi levado ao Rio de Janeiro pelas mãos poderosas e posteriormente udenistas de Carlos Lacerda e por Assis Chateaubriand, na época, o magnata da imprensa brasileira.

O ambiente mineiro não era apenas cultural. Latejava o sentimento da verve política. Juscelino Kubischek, prefeito indicado pelo interventor Benedito Valadares, nos estertores da ditadura de Vargas, motivou, creio eu, pela sua cativante idéia de modernização, a que jovens pretendentes à vida pública, desfraldassem a bandeira da redemocratização do país, conhecido como o Manifesto dos Mineiros de 1943, movimento liderado por Pedro Aleixo, Milton Campos, José Magalhães Pinto, Adauto Lúcio Cardoso, Afonso Arinos de Melo Franco e tantos outros.

Da mesma estirpe festeira de JK, nos tempos de Belo Horizonte, o jovem piauiense foi também um pé de valsa. Como disse o amigo e jornalista Wilson Figueiredo nessas horas o “Castelinho deixava a timidez e se esbaldava em coreografias”. Mas nunca abandonou o hábito da leitura. Machado de Assis, Balzac e Proust, em língua francesa, eram autores habituais, afora o imortalizado prazer pelo trabalho na redação de O Estado de Minas e depois no Diário da Tarde.

Naquela época, O Estado de Minas só tinha uma máquina de escrever na redação. Castello, excelente datilógrafo, curso que aprendera com maestria ainda em Teresina, não se incomodava. Ficava acompanhando o noticiário da II Guerra pelo rádio, enquanto os jornalistas mais velhos, disputavam a tapas o único objeto de desejo da exígua sala de redação. Por sua influência conseguiu o primeiro emprego para Autran Dourado, e já no Rio de Janeiro, fez com que o mesmo ingressasse como advogado no antigo Departamento de Estradas e Rodagens. Mas Castello notou que o jornalismo não era a praia de Dourado e sim a literatura. Estava certo.

No Rio de Janeiro Castello combateu a ditadura Vargas. Mesmo sem ter filiação partidária, se inclinava para a banda de música da UDN. Depois da política, seu grande amor foi Élvia Lordello, baiana de Nazaré das Farinhas, jornalista, advogada, juíza do Trabalho, Procuradora-Geral do Tribunal de Contas de Brasília e Ministra do Tribunal de Contas da União, indicada pelo Presidente da República José Sarney. Quando deu ao marido a notícia da nomeação, recebeu o seguinte comentário: “Parabéns, para quem veio de Nazaré das Farinhas, é um belo fim de carreira.”

Dona Élvia esteve várias vezes em Teresina. Numa delas, na inauguração do busto em homenagem a Castellinho, em Teresina, evento idealizado pelo então prefeito Wall Ferraz, em 1993,prestou honras ao companheiro de 44 anos, saudando-o como um profeta dos acontecimentos políticos da Nação. E em outra ocasião especial, pelo menos para mim, quando me prestigiou no lançamento do meu livro A Guerra do Jenipapo, lançado em 2003, no Clube dos Diários. Sempre mantivemos longa e sincera amizade, quer nos encontros casuais em Brasília, quer em seu apartamento no Leblon, no Rio de Janeiro, onde entre um copo de whisky e uma água de coco, mantivemos longas conversas sobre diversos assuntos, inclusive sobre seu enlace com Castello, que ela, a princípio, não queria se casar de jeito nenhum.

Élvia me contou que conheceu Castello na redação do jornal Diário Carioca. Ele chefe de redação e ela uma iniciante e intrépida jornalista vinda do interior da Bahia e que morava numa pensão na Cidade Maravilhosa. No lugar onde residia, passou a receber muitas flores sem saber quem era o desconhecido apaixonado. Até que Castello criou coragem e a pediu em casamento.”Não pense que vou lavar e passar sua roupa, arrumar casa, fazer comidinha e docinhos, arrumar a roupa que você vai vestir no dia seguinte”, disse ao futuro marido. Ao que este lhe respondeu: “E quem lhe disse que estou procurando uma empregada doméstica? Procuro uma companheira e esta é você”, arrematou. O padrinho de casamento foi Expedito Resende, embaixador do Brasil no Vaticano.

Castello entrou para a Academia Brasileira de Letras como jornalista e não como escritor, como disse no seu discurso de posse. Foi saudado pelo acadêmico José Sarney que lhe respondeu que ele entrava naquele sodalício como escritor, sim, sem deixar de ser jornalista. “No vosso caso, Sr. Carlos Castello Branco, o jornalismo, além de atividade dominante, tem uma feição especial, a do jornalismo político. E o que é o jornalismo político? É o político que fez do jornalismo a sua tribuna.”, enalteceu Sarney. Como escritor publicou os seguintes livros: Continhos brasileiros, 1952; Arco do Triunfo, romance, 1958; Idos de março, depoimento político, em colaboração, 1964; Introdução à Revolução de 1964, seleção de suas colunas, 2v, 1976; Os Militares no Poder, seleção de suas colunas, 3v, 1976-1979; Retratos e fatos da história recente, obra póstuma sobre personagens da política brasileira, 1994; e a Renúncia de Jânio, obra póstuma, 1996.

Numa de suas últimas viagens à terra natal, revelou para um grupo de amigos que o presidente Humberto de Alencar Castelo Branco nasceu em Teresina e não no Ceará. Um dos acontecimentos mais espetaculares de sua vida, foi a renúncia de Jânio Quadros, em 25 de agosto de 1961, do qual era secretário de Imprensa. Tenho comigo a carta-renúncia escrita à mão e depois datilografada que eu mandei, há algum tempo, para o jornalista Kenard Kruel. Ele deve ter perdido. Um verdadeiro documento da história do Brasil, pelo cinismo e pela singeleza. Na verdade, Jânio deu uma de joão-sem braço. Pediu a renúncia para voltar como vítima para o Palácio do Planalto. O tiro saiu pela culatra. Perdeu a Presidência e a vergonha colocando o país três anos mais tarde no buraco negro da ditadura militar.

Carlos Castello Branco morreu no dia 01 de junho de 1993, aos 72 anos. Foi jornalista de três constituições, a de 1946, 1967 e 1988. Exerceu a profissão ao longo do mandato de 13 presidentes da República e durante 31 anos redigiu a famosa Coluna do Castello no Jornal do Brasil. Após sua morte, disse o ex-presidente Collor de Mello: “E agora, por onde vou começar a ler os jornais”?

Na minha modesta opinião não existe mais jornalismo político no Brasil, mas jornalistas que escrevem sobre política. A prova é que nunca mais, pelo menos no Jornal do Brasil, que acabou virando um tablóide, ninguém ocupou mais o lugar de Castello, Castellinho, Castellão.

Chico Castro

Fonte: Francelino Pereira, Castelinho, o reinventor do jornalismo político no Brasil, Editora do Senado, Brasília, 2001.

terça-feira, 22 de junho de 2010

O MAPA DO PIAUÍ NA HISTÓRIA DO BRASIL



Tudo no Piauí apareceu muito atrasadamente. Por isso mesmo entrou para a história como um lugar marcado pelo esquecimento. Em 1534, quando o rei d. João III criou o regime das Capitanias Hereditárias, pelo qual se fazia a concessão de terras a capitães-mores e a governadores, começava aí a verdadeira colonização da Terra de Santa Cruz. Esta divisão obedecia a um antigo projeto desenvolvido na Europa desde o século X, e consistia em privilégios nunca antes imaginados.

Todavia, o sistema de capitanias somente veio a chegar oficialmente ao território chamado de Piauí em 1758, ou seja, 224 anos depois da decisão de d. João III. Antes daquela data, funcionava a doação de terras por meio de sesmarias que, dada a extensão de incríveis áreas consignadas, só poderiam servir para o estabelecimento da pecuária. Vale dizer que o alvará de criação da Capitania é de 1718, mas a sua execução ocorreu muito tempo depois.

A presença do primeiro governador João Pereira Caldas [que assumiu o cargo a 20 de setembro de 1759] em solo piauiense veio para marcar um tipo de plano desenvolvimentista, como por exemplo, o surgimento da construção inicial dos primeiros prédios públicos, o estabelecimento da ordem, proceder a coleta de dinheiro da Fazenda, incrementar atividades militares, expandir a fé cristã, fazer cumprir a resolução imperial que ordenava a expulsão e seqüestros dos bens dos jesuítas ali residentes, o que permite estimar que os padres controlavam metade da economia piauiense. Se bem que a Carta-Régia que mandava prender e expulsar os jesuítas foi datada de  10 de abril de 1760, quando chegou ao Piauí, os religiosos já haviam sido remetidos para a Bahia, segundo a afirmação de Odiolon Nunes.A expulsão dos jesuítas do Piauí, diz-nos Monsenhor Chaves, foi incrementada pelo Marquês de Lavradio, Vice-Rei do Brasil, e não de João Pereira Caldas.

Registra assim um ilustre intelectual piauiense o valor de João Pereira Caldas:
“Ato [também] dos mais significativos e da maior repercussão na Capitania é a instalação das vilas pela Carta Régia de 19 de junho de 1761: Parnaguá, Jerumenha, Valença, Campo Maior e São João da Parnaíba.” (Brandão. 1995, p.23).

Apesar de a Capitania ter sido criada em 1758, o seu desmembramento total do Maranhão aconteceu em 1814. (UFPI, 2005,s/p.). As primeiras escolas primárias datam da segunda década do século XIX (Castro, 2002). O primeiro hospital surgiu alguns anos depois, e o Liceu Piauiense, criado por Zacarias de Góes e Vasconcelos, governador da província, apareceu na década de 40 da mesma centúria. Em 1832, aparecia O Piauiense, o primeiro jornal do Piauí; o segundo foi O Telégrafo e o terceiro O Espetro. (Filho, 1997, p.22).

O Poder Legislativo Brasileiro foi criado em 1824, mas passou a funcionar em 1826, dois anos depois de publicada a nossa primeira Constituição, em 1824. Contudo, o surgimento do Poder Legislativo no Piauí é de 1835. Vale salientar, para efeito histórico, que o Piauí não mandou representantes à Assembléia Geral Constituinte e Legislativa do Império do Brasil, em 1824, por falta de recursos em função dos altos gastos com as lutas pela Independência, dentre elas a famosa Batalha do Jenipapo.

A ausência do Piauí é relatada por Deiró em livro célebre:
“Das 19 províncias do Império [em 1823], 14 se fizeram representar, não chegando a ser escolhidos deputados pelo Piauí, Maranhão, Grão- Pará, Cisplatina e Sergipe. A bancada da Bahia, no entanto, só assumiu após 2 de julho”.

Por aquela época, a população piauiense girava em torno de 94 mil pessoas da quais, quase 40 mil era formada por escravos, o que dava uma densidade populacional de 0,3 habitantes por quilômetros quadrados. (Mendes, 1995, p.64). Como explica melhor a esse respeito o ensaísta Felipe Mendes, sobre a diferença populacional entre o Piauí e as outras províncias brasileiras em 1823:
Oeiras, [a capital imperial do Piauí] contava com 3.000 mil habitantes (...) São Luis do Maranhão tinha 25.000; Recife, então a segunda maior cidade, contava com 50.000 mil habitantes; e o Rio de Janeiro tinha 100.000.” (Mendes, 1995, p.65).

O jornalismo de idéias na terra de Mafrense, como registra Celso Pinheiro Filho, um dos primeiros a estudar a história do jornalismo piauiense, foi inaugurado por Lívio Lopes Castelo Branco (1813-1869), filho de Leonardo das Dores Castelo Branco, um dos heróis da Independência do Piauí, cujo reconhecimento só teve destaque depois da coroação de d. Pedro II. ( Filho,1997,p.35-36).


Celso Pinheiro, junto com outros integrantes da Academia Piauiense de Letras.
De pé, segundo da esquerda para a direita.

Celso Pinheiro Filho afirma ainda que Lívio Lopes teve outras aptidões, além de sua atuação na imprensa:
“ Além de inúmeras qualidades que possuía teve ainda o mérito de ser o iniciador de Deolindo Mendes da Silva Moura, nas lides da imprensa. Ainda espera uma biografia condigna a figura desse piauiense notável, inteligente, empreendedor e corajoso.”

Outra pesquisadora de igual jaez comunga da mesma opinião:

"O primeiro jornal de cunho político e doutrinário, O Liberal Piauiense, só surge após a queda [1843] do Visconde da Parnaíba. Seu redator, Lívio Lopes Castello Branco lutara, antes, contra o Visconde, na Guerra dos Balaios, ao lado dos populares e depois do conflito, decide fixar residência em Oeiras, como advogado e mais tarde como jornalista, profissão que lhe proporciona atividade intelectual intensa.” (Rego, 2001, p.51).

É de se surpreender que a Batalha do Jenipapo, episódio de cardeal importância para a compreensão da emancipação do Brasil, não tenha sido objeto de investigação em forma de livros sobre o assunto, mesmo durante o II Reinado ou nos primórdios da República. A atividade da imprensa piauiense, no II Reinado, foi caracterizada como florescente. (Rego,2001, p.49). Se a Batalha do Jenipapo foi tratada em artigos publicados em dezenas de periódicos piauienses do século XIX, nenhum pesquisador ainda tratou de averiguar.

Do mesmo modo, no plano nacional, em vista da seqüência temporal entre a Batalha do Jenipapo [13 de março de 1823] e a instalação da Assembléia Geral Constituinte e Legislativa do Império do Brasil [03 de maio de 1823], espanta saber que, entre uma data e outra, o tema não foi ventilado durante os trabalhos legislativos que se encerraram a 12 de novembro do mesmo ano, quando d. Pedro usando a força das armas ,dissolveu a primeira Constituinte Brasileira.

                Fidié
Um almirante escocês de ilustrada fama, que veio ao Brasil prestar seus serviços ao império na luta contra as forças portuguesas estacionadas na Bahia e Maranhão, escreveu depois um livro de memórias em que trata de vários episódios da vida política brasileira. Ele esteve em São Luiz um pouco depois da Batalha do Jenipapo. Em seu trabalho menciona o nome de Fidié, mas não acrescenta qualquer comentário sobre o que aconteceu em Campo Maior.
Assim, resumiu ele os acontecimentos da época:
“Recordar-se-á que depois de expulsos do Maranhão os portugueses em 1823, somas consideráveis em dinheiro e obrigações haviam sido tomadas no tesouro, na alfândega, e em outras repartições públicas, juntamente com abastecimento militares e outros – e o valor disto, bem que garantido por Sua Majestade Imperial [d. Pedro I] aos tomadores, havia, por consentimento de oficiais e marinhagem, sido temporariamente emprestado ao Governo então provisório, para o duplo fim de satisfazer as tropas amotinadas do Ceará e do Piauí, e continuar as funções ordinárias do Governo – não havendo outros fundos de servir-se.” (Cochrane, 2003, p.200).

Assim, do mesmo jeito que não há pesquisa em jornais piauienses de 1840 a 1889 focalizando a Batalha do Jenipapo, também não existem informações de que estudiosos tenham se debruçado sobre os Anais da Câmara dos Deputados, nem do Senado Federal, para trazer ao círculo de estudos históricos tão palpitante acontecimento.

Por incrível que possa parecer, o primeiro livro de que se tem notícia sobre a Batalha do Jenipapo apareceu em Lisboa em 1850, escrito justamente por Fidíe, e que quase 100 anos depois, surgiu a segunda edição lançada sob os auspícios do Governo do Estado, por intermédio do Arquivo Público e Museu Histórico do Estado.

Somente no século XX apareceram os primeiros livros tratando sobre a Batalha do Jenipapo. Abdias Neves, Odilon Nunes, Wilson Brandão, Mons. Chaves, Júlio Romão da Silva, Claudete Dias, Renato Neves e eu.


Embora o meu livro A Guerra do Jenipapo, seja um paradidático, lançado pela Editora FTD, de São Paulo, 2002, a repercussão na mídia nacional fez surgir um interesse maior por parte de pesquisadores e da imprensa.

De fato, lançado em Brasília, na Embaixada de Portugal, em março de 2003, ganhou notoriedade ao ser pautado pela revista Veja, jornal o Globo, jornal do Brasil, Correio Braziliense, além de dezenas de outros jornais e portais eletrônicos de vários estados brasileiros e no exterior. O lançamento contou com a presença do Vice-Presidente da República, José Alencar, ministros de estado, embaixadores, intelectuais e pesquisadores.

A solenidade, organizado pelo setor de educação e cultura do serviço diplomático português, coincidiu com os 180 anos da Batalha do Jenipapo. Na ocasião, fui homenageado pelo Governo do Estado do Piauí, com a Ordem Estadual do Mérito Renascença, que é a maior condecoração que o Estado do Piauí oferece a quem se destaca pelos relevantes serviços prestados à terra de Mafrense. A embaixada também abriu um espaço para uma exposição chamada “Piauí Terra Querida”, organizada por Fátima de Deus.

Outro site teresinense publicou uma matéria, da qual publicamos um pequeno resumo:
“Dia 13 de março, 19 horas, na Embaixada de Portugal, ocorre o lançamento do livro “A Guerra do Jenipapo” (...) O trabalho foi desenvolvido a partir de 1987, quando o autor encontrou um volume do livro “Vária Fortuna de um Soldado Português, de autoria do brigadeiro João José da Cunha Fidié. O militar, (...) que veio para o Piauí em 1822 a fim de garantir à Portugal uma colônia no norte do Brasil, era também o comandante das tropas portuguesas na Batalha do Jenipapo.” (Debate/Portal de Notícias, Teresina, 2003, p.1).

Um site de grande prestígio nacional abriu espaço para o seguinte comentário:
O entrave entre brasileiros e portugueses (...) ocorrido às margens do Riacho do Jenipapo, do escritor Chico Castro, da Editora FTD, será lançado na Embaixada de Portugal (...) O livro mistura história do Brasil e do Piauí e acrescenta mapas do século, gravuras de heróis piauienses, fotografias atuais do riacho e do monumento e um poema de Carlos Drummond de Andrade, que homenageou os independentes no seu livro O Fazendeiro do Ar.” (Brasil Agora/Tempo Real, Brasília,2003, s/p).

A grande imprensa brasileira deu destaque ao lançamento do livro em Brasília:
“Pouca gente sabe, mas os piauienses lutaram a ferro e fogo pela sua independência. Essa história, que ficou conhecida como A Guerra do Jenipapo, está relatada ineditamente no livro homônimo do jornalista Chico Castro que será lançado amanhã, às 19h, na Embaixada de Portugal. A batalha aconteceu há 180 anos, no município de Campo Maior, a 85 km de Teresina, quando um grupo de nordestinos enfrentou o exército português pela independência do Norte do Brasil.” (Jornal do Brasil, Caderno Brasília, 12 de março de 2003, B-4).

Com uma chamada intitulada “Rebeldes do Jenipapo”, um jornal de maior circulação na região Centro-Oeste, assim se manifestou:
“É no entroncamento da história com a poesia que Chico Castro decidiu contar A Guerra do Jenipapo (...) ela mescla a pesquisa histórica, esclarecendo muitos aspectos do episódio ainda pouco estudado, com poemas autores que se inspiraram na batalha, como Carlos Drummond de Andrade, Carlos Nejar e Herculano Moraes. A obra será lançada hoje, às 20 hoas, na Embaixada de Portugal”. (Graça Ramos, Correio Brasiliense, Seção Livros, 13 de março de 2003, p.8).

No dia 12 de março, uma sessão da Câmara dos Deputados, sob a presidência do deputado João Paulo Cunha, foi anunciada a realização, pela Casa, de sessão solene em homenagem ao transcurso da data:
“Aproveito a oportunidade para informar à Deputada Francisca Trindade e ao Estado do Piauí que ficou definido que esta Casa realizará, no dia 14, sessão solene em homenagem aos 180 anos da Batalha do Jenipapo, evento que foi fundamental, conforme nos ensinou na tarde de hoje o Deputado Aldo Rebelo, para a consolidação da independência do Brasil na região Norte. Essa data tem significado especial para os piauienses.” (Câmara dos Deputados, Brasília, 2003. p.268.).

Na Sessão Ordinária de 13 de março de 2003, a deputada Francisca Trindade fez o seguinte anúncio:
"Sr. Presidente, quero registrar em primeiro lugar que logo mais, às 19horas, na Embaixada de Portugal, acontecerá importante evento para nós, piauienses: uma homenagem à Batalha do Jenipapo. Lá estarão presentes o Vice-Presidente da República, o Governador Wellington Dias,o Ministro da Cultura, além de vários Ministros de Estado. Aproveito a oportunidade para lembrar que, amanhã, a Câmara dos Deputados também realizará sessão solene em homenagem à Batalha do Jenipapo.” (Câmara dos Deputados, Brasília, 2003, p.135).

Na realidade, no dia 14 de março de 2003, um dia após o lançamento do livro A Guerra do Jenipapo na Embaixada de Portugal, a deputada federal Francisca Trindade, presidiu a sessão solene da Câmara dos Deputados.

A apresentação do REQ 265/2003, com data de apresentação de 20 de fevereiro de 2003, feita pela deputada Francisca Trindade (PT/PI), que “requer que seja realizada Sessão Solene na Câmara dos Deputados no dia 14 de março, às 10 horas, em virtude dos 180 anos da Batalha do Jenipapo”. ( Diário da Câmara dos Deputados, Brasília, 2003, p.104). O presidente, deputado Bismark Maia abriu a solenidade, depois da entrada em plenários dos convidados:
“Tenho a honra de convidar para compor a Mesa a Exmo. Sr. Governador do Estado do Piauí, Dr. Wellington Dias; a Professora Maria de Fátima Santos de Deus, coordenadora do evento 180 anos da Batalha do Jenipapo, objeto desta sessão; o ex-governador do Estado do Piauí e atualmente senador, membro deste Congresso Nacional, Mão Santa; e o Sr. Francisco das Chagas Castro, ilustre escritor, autor do livro A Guerra do Jenipapo” (Diário da Câmara dos Deputados, Brasília, 2003, p. 104).

Ao fazer uso da palavra, a deputada Francisca Trindade assim se manifestou:
“O confronto de 13 de março de 1823, hoje lembrado por esta Casa em nome do Brasil, é o acerto final entre os homens de Fidié e sua legalidade fiel, d. João VI, e os simpatizantes dos projetos de independência em voga, agindo em nome da nova legalidade imposta por Oeiras, mas também em favor de sonhos libertários outros. O que estava em jogo no leito do Jenipapo, naquela manhã de 1823, eram esses sonhos e projetos libertários, a luta pela liberdade. Não a liberdade de que falavam os chefes palacianos, não essa luta, mas a luta sob as ordens da nova concepção e do povo do Piauí, a liberdade do trabalhador, a luta das gentes contra o estado de escravidão e pela possibilidade de acessar a terra que nas repúblicas lhes ocorria que pertencessem a todos, não somente àqueles que eram inimigos do rei.” (Diário da Câmara dos Deputados, Brasília, 2003, p.106).

A deputada Francisca Trindade, assumindo a presidência no lugar do deputado Bismark Maia (PSDB/CE), concedeu-lhe a palavra:
“Da maneira como registram os acontecimentos, os livros didáticos podem fazer crer que a História do Brasil se construiu de maneira ordenada e uniforme. Na verdade, a magnitude da extensão territorial deste País jamais permitiria que assim fosse. Basta considerar que a notícia da Independência, proclamada às margens do Ipiranga em 7 de setembro de 1822, só chegaria ao Piauí no dia 30 daquele mês, o que não se admitiria nos tempos atuais de divulgação instantânea das informações.” (Diário da Câmara dos Deputados, 2003, Brasília, p.107).

A seguir, a palavra foi concedida ao senador Mão Santa (PMDB/PI), que falou sobre o evento:
“Faz-se, portanto, referência às independências do Brasil, e, atendendo ao dever de resgatar e preservar a memória exata do passado, cumpre dedicar, na historiografia nacional, o justo espaço e relevo que merece a Batalha do Jenipapo, a luta em que, reunidos sob o comando de José Rodrigues Chaves e João da Costa Alecrim, cerca de 2 mil homens despreparados militarmente, precariamente armados com paus, pedras, foices, espadas, facões, enxadas e espingardas de espoleta, enfrentaram os soldados do general português João José da Cunha Fidié.” (Diário da Câmara dos Deputados, 2003, Brasília, p. 108).

O deputado Paes Landim (PFL/PI), um dos grandes conhecedores da História do Piauí, deu o seguinte depoimento:
“É importante enfatizar a importância do Jenipapo, essa grande batalha cuja história o Piauí tenta resgatar e incorporar ao acervo do patrimônio histórico da cultura brasileira. E é muito importante, neste momento, que o Governador Wellington Dias tenha promovido, a respeito, uma grande reunião em Brasília, na sede da Embaixada de Portugal, e a deputada Francisca Trindade tenha tido a justa preocupação de inserir a luta histórica do Piauí no contexto da história nacional. Até porque os nossos grandes historiadores examinaram superficialmente esse grande acontecimento. Os principais historiadores clássicos sobre o Piauí –por coincidência todos três pernambucanos -, que são Barbosa Lima Sobrinho, (Devassamento d Piauí), Pereira da Costa (Cronologia da História do Piauí) e o Dr. Carlos Porto, (Roteiro do Piauí), passaram um pouco ao largo da Batalha do Jenipapo.”( Diário da Câmara dos Deputados, Brasília,2003, p. 354).

No decorrer da Sessão Solene também subiu à tribuna o deputado B. Sá (PPS/PI, que pronunciou o seguinte discurso:
“Pois bem, no caso de Jenipapo, no instante em que Portugal mandou para a Província do Piauí, João da Cunha Fidié para ser o seu Governador das Armas, na realidade ele estava protegendo – como bem lembrou o nobre colega Paes Landim – o que havia de mais interessante, do ponto de vista econômico, na província: o boi e o seu couro, a carnaúba, a borracha de maniçoba, da mangabeira, a farinha de mandioca, víveres de grande interesse econômico que, a partir de Parnaíba [no litoral piauiense], seguiam para os portos de Portugal e suas províncias, e assim por diante.” (Diário da Câmara dos Deputados, 2003, p.109).

Ao fim da solenidade, o Governador Wellington Dias propôs à Mesa Diretora que fosse editada pela Câmara dos Deputados uma separata com ilustrações e informações sobre a Batalha do Jenipapo, incluindo os pronunciamentos realizados na sessão, registrando a comemoração dos 180 anos da Batalha do Jenipapo na Câmara dos Deputados, na Embaixada de Portugal, sob o patrocínio do Governo do Piauí( Diário da Câmara dos Deputados, Brasília,2003, p.110).

No dia anterior à solenidade da Câmara dos Deputados em comemoração aos 180 anos da Batalha do Jenipapo, o Senado Federal também prestou homenagens ao evento. O senador Mão Santa (PMDB/PI) fez o seguinte pronunciamento, que transcrevemos uma pequena parte:
“O Piauí teve uma participação heróica na manutenção da unidade do País, por isso, quando olharem o mapa e virem esse Brasil grandioso, lembrem-se de que somente os piauienses fizeram uma batalha sangrenta pela manutenção da nossa unidade. Os baianos também o fizeram, mas em julho de 1823 [depois da Batalha do Jenipapo], e hoje o Brasil é grandioso.” (Senado Federal, Subsecretaria de Taquigrafia, Brasília, 2003, p. 2).

Em seguida, um grande jornal de circulação nacional, em face do destaque que a Câmara dos Deputados, em especial apreço, e também pelas homenagens no Senado Federal, divulgou em seu Caderno de Cultura a seguinte notícia:
"Um pequeno livro didático (...) acabou por mobilizar uma campanha nacional pró-Piauí (...) sobre a luta de resistência de piauienses maltrapilhos contra soldados do general português Fidié, durante a Guerra da Independência (...) E como (...) o episódio em Jenipapo estará completando seus 180 anos, foi esta data escolhida para o Congresso Nacional homenagear o Piauí em Brasília.” (Cecília Costa e Rachel Bertol, Jornal O Globo, Rio de Janeiro, 2003, p.5).

Devido ao consagrado acolhimento que tanto a Câmara dos Deputados quanto ao Senado dedicaram aos heróis do Jenipapo; em função da larga divulgação feita pela mídia nacional;e pela exposição sobre a cultura, o artesanato, a pintura, a música e as artes plásticas piauienses feitas nas dependências da Embaixada de Portugal em Brasília, o livro abriu a XI Bienal Internacional do Livro do Rio de Janeiro, de 15 a 27 de maio de 2003, com as presenças do então ministro da Educação, Cristóvão Buarque, e do então ministro da Cultura, Gilberto Gil.

O Jornal Meio Norte deu destaque em sua primeira página do Caderno de Cultura salientando que:
“Já Chico Castro estará autografando o seu livro “A Guerra do Jenipapo”, publicado e lançado nacionalmente pela Editora FTD, no pavilhão da Bienal, em Jacarepaguá (...) A principal tese defendida é a de que se não fosse a bravura de um contingente de piauienses, ajudados por cearenses e maranhenses, provavelmente o Brasil de hoje seria dividido em dois.” (Jornal Meio Norte, Teresina, 8 de maio de 2003, p. 1.).

Em sua XI edição, a Bienal Internacional do Livro do Rio de Janeiro, em 2003, escolheu como país homenageado a Itália. Daquele país vieram os escritores Domenico de Massi, Romano Petri e Valério Massimo Manfredini. Dos Estados Unidos veio o escritor Scott Turow. Da França, como convidada pelos seus últimos trabalhos, veio a escritora Catherine Millet. O grande destaque, porém, foi a presença do escritor anglo-indiano Salman Rushdie, que, no primeiro dia da Bienal, lançou seu livro A Fúria. Do Brasil, os destacados escritores Luís Fernando Veríssimo, Ana Maria Machado e o cartunista Miguel Paiva lançaram as suas obras, no estande ao lado em que se encontrava o escritor Chico Castro, inclusive com a presença numerosa platéia.

Dois anos depois,novamente a Câmara dos Deputados fez outra sessão solene, segundo as formalidades exigidas,pelo transcurso da data relativa à Batalha do Jenipapo, conforme anúncio feito pelo presidente da Sessão, dep. Paes Landim:
Esta Sessão solene[18 de março de 2005), requerida pelo nobre Deputado Simplício Mário, destina-se a homenagear a Batalha do Jenipapo.”(Câmara dos Deputados, 2005, p.28).

O Deputado Simplício Mário (PT/PI) fez um longo discurso do qual extraímos a seguinte trecho:
“Somente 151 anos depois da Batalha do Jenipapo [1974], o Governo do Piauí fez erigir um monumento aos mortos do Jenipapo. Localizado a 9 quilômetros da cidade de Campo Maior há um museu que abriga vestígios do episódio mais marcante da história da Independência do Brasil. Se não fosse a bravura daqueles heróis anônimos, certamente o Brasil seria dividido em duas partes distintas, sem a configuração territorial que faz da nossa Pátria um só país e sem a beleza da língua portuguesa, modificada pela exuberante criatividade do povo brasileiro.” ( Câmara dos Deputados Brasília, 2005, p. 124-125).

O deputado Alceste Almeida (PMDB/RR), distinguindo a iniciativa do Deputado Simplício Mário de tornar ainda mais conhecida a epopéia piauiense, em certo trecho do seu pronunciamento, enfatizou:
“O Piauí era, em 1823, um dos poucos Estados que não havia aderido à Independência por estar subjugado por tropas portuguesas (...) Cabe lembrar o primeiro Presidente da Província do Piauí, Manoel de Sousa Martins (...) Sousa Martins abandonou a fazenda que herdara e ingressou na política. Acabou por entregar-se à causa da independência e é reconhecido como um dos de seus sustentáculos no Nordeste brasileiro(...)
"O combatente anônimo também deve ser homenageado. Quando foi solicitada, pelo governo provisório, a preparação de um batalhão para a consolidação da independência do Piauí foram muitos os voluntários vindos de todos os cantos do sertão. Conta-se que as próprias mulheres mandavam os maridos e os irmãos para a frente de batalha. Sacrificavam-se, vendiam jóias, para que os patriotas levassem armas e munições.” (Câmara dos Deputados,Brasília, 2005, p.125-126).

O Governador do Piauí, Wellington Dias, presente à Sessão, também se manifestou:
“Portanto, o 13 de março é o início de uma batalha que só terminou em Caxias do Maranhão, quando houve a rendição de Fidié. Ali se consolidou essa grande nação(...) Queremos que o Brasil reconte a sua história.(...) Desejamos que o 13 de março seja um marco importante na história do Brasil, como são o 21 de abril e o 7 de setembro para a nossa independência.” (Câmara dos Deputados, Brasília,2005, p.127).

Na oportunidade, o Deputado Paes Landim passando a presidência da Sessão ao Deputado Simplício Mário, autor do requerimento da sessão solene, realçou que:
“Eles queriam [ os próprios representantes do Piauí nas Cortes de Lisboa em 1821, os deputados Pe. Domingos da Conceição e Miguel Borges] que as províncias continuassem a obedecer a Portugal, sobretudo as províncias do norte, entre elas, o Piauí, além do Pará, Ceará e Maranhão (...) [ o Jenipapo] foi a primeira guerrilha do Brasil, porque vaqueiros, pessoas simples, resolveram pegar em armas, resultando nesses acontecimentos dramáticos, com centenas de mortes, que todos os senhores conhecem, cuja gesta heróica está registrada no monumento do Jenipapo.” ( Câmara dos Deputados, 2005, p.40).

Após a sessão solene, o Deputado Simplício Mário, depois de fazer várias considerações sobre a importância da Batalha do Jenipapo para a consolidação da Independência do Brasil, encaminhou ao ministro da Educação, Fernando Haddad, um requerimento pedindo a inclusão da Batalha do Jenipapo, bem como os fatos a ela relacionados, na disciplina de História do Brasil ensinada nas escolas públicas brasileiras:
“Nos termos do art. 113, inciso I e parágrafo Primeiro, do Regimento da Câmara dos Deputados, requeiro a V.Exa. seja encaminhada ao Poder Executivo a Indicação em anexo, sugerindo a inclusão da Batalha do Jenipapo e os fatos a ela relacionados na disciplina de História do Brasil ensinada nas escolas públicas brasileiras.” (Câmara dos Deputados, Brasília,Sala das Sessões, em 15 de março de 2005,s/p.).

O Governador do Piauí, Wellington Dias, por meio de Ofício, n. 325, de 20 de junho de 2006, fez a mesma solicitação, considerando a importância desse acontecimento histórico, muitas vezes ignorado ou esquecido, que reflete a verdadeira história da independência brasileira e que, portanto, deve ser mais difundido e conhecido pelo povo brasileiro.(Governo do Estado do Piauí/Gabinete do Governador/ Palácio do Karnak).

Em 2007, na Sessão de 13 de março daquele ano, a Câmara dos Deputados querendo homenagear os 184 anos da Batalha do Jenipapo, fez uma sessão solene na qual o Deputado Frank Aguiar (Bloco PTB/SP),autor da Proposição:PL-968, em cuja Ementa instituía o dia 13 de março, dia da Batalha do Jenipapo, como data histórica no calendário das efemérides nacionais, fez um pronunciamento destacando que:
“O grande confronto se deu no dia 13 de março de 1823, nas proximidades do rio Jenipapo (...) Após cinco horas de intenso combate, as tropas locais contavam entre suas perdas 700 homens, entre mortos, feridos e prisioneiros de guerra (...) Entretanto, a vitória lusitana era incontestável, ganharam uma batalha, mas a guerra estava longe de terminar, pois a ausência de recursos bélicos e a possibilidade de enfrentamento de outras de outras batalhas, com a chegada de reforços de outras vilas e províncias, fez com que Fidié e sua tropa se deslocassem, em abril de 1823, para o Maranhão, província leal a Portugal.” (Câmara dos Deputados,Brasília, 2007, p.44).

No dia seguinte, no Grande Expediente da Câmara dos Deputados, o Deputado Nazareno Fonteles, pronunciou o seguinte discurso do qual extraímos o seguinte trecho:
“Sr. Presidente, sras., e srs Deputados, o povo brasileiro, ontem, 13 de março de 2007, completaram 184 anos da Batalha do Jenipapo, o mais sangrento combate em defesa da independência política do Brasil e pela consolidação do território nacional (...) O processo de independência nas outras áreas da América Portuguesa implicou cruentas batalhas, especialmente no Norte e Nordeste, regiões que faziam parte da pretensão portuguesa de perpetuar domínios no Continente.” (Câmara dos Deputados, Brasília,2007, p.45).

Na nossa pesquisa, em anos bem anteriores,verificamos ainda que a Câmara dos Deputados prestou homenagens aos 150 anos da Batalha do Jenipapo, em 1973. O Deputado Pinheiro Machado(PDS/PI) assim se pronunciou:
“Falta ainda inserir, na História do Brasil, com justo relacionamento que merece, essa página da campanha de nossa independência. Nela, os piauienses deram mostras de mais soberbo heroísmo. Com destemor quase fanático e uma coragem sem limites, depositaram na altar da Pátria, pelo ideal da Independência, o sacrifício de suas vidas.” ( Diário do Congresso Nacional, Brasília,1973, p. 23).

Na passagem dos 160 anos da Batalha do Jenipapo,10 anos depois, a Câmara dos Deputados homenageou os mortos do Jenipapo. Retiramos do discurso do Deputado Jônathas Nunes(PDS/PI) o seguinte trecho:
“Sem dúvida, com a Batalha do Jenipapo, que procedeu a derrota de Fidié em Caxias, morreram para sempre as esperanças da Corte Lusitana de criar uma colônia Portuguesa no norte do Brasil. Consolidou-se, assim, a Independência do Brasil, consolidou-se a unidade Nacional.” (Diário do Congresso Nacional, Brasília, 1983, p. 45).

Por ocasião das comemorações dos 161 anos, em 1984, data das mais importantes nas lutas pela Independência do Brasil, a Câmara dos Deputados registrou com galhardia os fastos da nossa história. O Deputado Jônathas Nunes(PDS/PI) fez o seguinte pronunciamento:
"A Independência do Brasil, proclamada em 1822, ainda não se consolidara no Norte e Nordeste. Foi justamente na Batalha do Jenipapo, que precedeu à derrota de Fidié em Caxias, que as esperanças lusitanas de domínio sobre os brasileiros se desvaneceram para sempre". (Câmara dos Deputados, 1984, p. 0199).

Nos anos de 1988 e 2000 novamente a Câmara dos Deputados fez sessões solenes para homenagear a Batalha do Jenipapo, com vários discursos em memória da data.

Rastreando O Diário do Senado Federal, encontramos na nossa pesquisa o requerimento n. 247, de 1973, do Senhor Senador Fausto Castelo Branco, solicitando nos Anais do Senado Federal, do Boletim Especial n. 6, de 06 de novembro de 1973, do Exmo. Sr. General de Divisão Theóphilo Gaspar de Oliveira, comandante da 10 Região Militar, em comemoração aos sesquicentenário da Batalha do Jenipapo, travada em Campo Maior, Estado do Piauí. (Subsecretaria de Arquivo do Senado,Senado Federal, 29 de novembro de 1973).

No Senado Federal,desde o ano de 2002, muitas referências à Batalha do Jenipapo. O senador Benício Sampaio (Bloco/PPB) registrou em plenário por achar oportuno a data:
“ ... amanhã [13 de março], pela manhã, o Estado do Piauí, numa grande cerimônia cívico-militar, homenageará os 179 anos da Batalha do Jenipapo(...) Na oportunidade, serão homenageados o Alferes Leonardo das Dores Castelo Branco [ um dos heróis da Independência do Piauí] com um busto de bronze e o senador Alberto Tavares e Silva [hoje Deputado Federal], por haver construído o monumento aos Heróis da Independência do Brasil (...) Seis meses após o Grito [ do Ipiranga], devido à grande extensão territorial, à carência dos meios de transporte e, consequentemente, à precariedade nas comunicações, bem como à pressão da Coroa [portuguesa], o norte do País continuava sob o domínio de leais portugueses (...) No dia 13 de março [ de 1823], as tropas da independência formaram, às margens do Jenipapo(...) para impedir a progressão do exército de Fidié(...) Embora derrotados, os valorosos soldados brasileiros conseguiram o seu objetivo principal: impediram a marcha de Fidié para Oeiras, preservando a vitória da revolução nessa capital. Não há relato de evento com maior magnitude nas lutas pela independência.” (Diário do Senado Federal,Brasília, 2002, p. 02075-02076).

Quatro anos depois, em 2006,novamente o Senado Federal prestou homenagens aos heróis piauienses que tombaram pela Liberdade pelas palavras do senador Mão Santa (PMDB/PI:
 ... a democracia é o povo e foi o povo que a construiu(...) D. João VI disse: antes que algum aventureiro coloque a coroa, filho, coloque-a(...) Aí, ele passou: “o filho[. Pedro I] ficava com o sul e ele [Dom João VI] ficava com o norte [para isso] mandou seu afilhado ]Fidié] (...) Ele [Fidié] veio, e o pegamos na volta[ de Parnaíba], em Campo Maior, em 13 de março(...) Forte e bravo foi o piauiense(...) O piauiense botou o português[Fidié] para fora.” (Diário do Senado Federal, Brasília, 2006, p.07725).

Um ano mais tarde, novamente sob a presidência do Senador César Borges, o Senado Federal realizou uma sessão solene em homenagem aos 184 anos da Batalha do Jenipapo. Num trecho do seu discurso o Senador Mão Santa (PMDB/PI) afirmou:
Então, essa é a grande data! É por isso, é só por isso, que este Brasil é tão grande!É uno! (...)

Alias, o ex-presidente Castello Banco, cujos ancestrais são piauienses de Campo Maior, reconheceu essa Batalha como uma das mais dignas e honrosas [da nossa História] ( Diário do Senado Federal, 2007, p.05093).

E no ano passado,em 2008, mais um vez o Senado Federal homenageou a lutas dos piauienses pela consolidação da Independência do Brasil por intermédio do Senador Mão Santa(PMDB/PI):
Então, no Piauí, em 13 de março de 1823, que piauienses, liderados pelo grande empresário Simplício Dias da Silva, da minha cidade de Parnaíba, arregimentaram heróis de Campo Maior, de Oeiras e do Estado vizinho do Ceará e enfrentaram o exército português (...) Perdemos a Batalha, mas, enquanto isso, Oeiras era tomada pelo povo, em 24 de janeiro [de 1824]. (Diário do Senado Federal, Brasília, 2008, p.05093).

Assim, depois de fazer uma breve apanhado sobre o reflexo da Batalha do Jenipapo no Congresso Nacional , de forma mais intensa a partir de 2003 – e acreditando que o Congresso Nacional fará outras sessões solenes como forma de comemorar tão importante data, encerramos este breve ensaio na certeza de que no futuro próximo, possa este tema ainda ser ampliado, estudado e pesquisado por todos aqueles estudiosos e pesquisadores que desejam conhecer mais e melhor a História do Brasil.

Chico Castro - Brasília

sábado, 19 de junho de 2010

AS TRÊS MULHERES DE JESUS CRISTO


Mesmo sem ser um especialista em cristianismo, apesar de há muito meditar sobre tão palpitante tema, peço licença ao leitor a fim de tratar de um assunto que já encontrou abrigo e foi objeto de análise dos mais renomados estudiosos da bíblia em todo mundo: o grandioso e contraditório mito de Maria Madalena, para muitos uma prostituta, para outros a verdadeira fundadora da fé cristã.

Quem foi realmente essa misteriosa mulher? Neste ponto, os quatros evangélicos chamados de sinóticos, não são assim tão coerentes entre si. No capítulo 26, versículo 6-13 do livro de Mateus, é descrita uma cena cinematográfica: Jesus estava em Betânia, em casa de Simão, o leproso, quando surge uma mulher trazendo um frasco de alabastro de perfume precioso e pôs-se a derramá-lo sobre a cabeça do Mestre. Não é dito o nome dela, nem a região a que pertencia. Cristo estava acompanhado pelos seus discípulos que reclamaram do desperdício, uma vez que o dinheiro para a aquisição da essência, poderia ser distribuído aos pobres.

O episódio aconteceu antes da paixão do Senhor. Pelo o que é descrito posteriormente, é incontestável que a mulher seja Maria Madalena, pois Jesus afirma que ela derramando o perfume sobre o corpo dele “o fez para me sepultar”. (Mateus 26,12). A comprovação vem no final do parágrafo, quando o rabi diz textualmente: “Em verdade, vos digo que, onde quer que venha a ser proclamado o Evangelho, em todo mundo, também o que ela fez será contado em sua memória”. (Mateus, 26,13). Na nota “s” da bíblia de Jerusalém, na página 1888, edições Paulinas, 1980, é afirmado que a tal mulher é Madalena, a primeira a ver o Cristo ressuscitado, conforme o evangelho de João 20,18.

Em Marcos, capítulo 14, versículos 3-9, a narrativa é quase semelhante à de Mateus, sendo que os pormenores não tiram o brilho de ambas as descrições. Apenas em Marcos é dito que a mulher “quebrou” o frasco e não “derramou” como é relatado por Mateus. Marcos também não dá nome à referida mulher, mas pelo contexto, pode se fielmente supor que se trata de Maria, de Mágdala. Quem lê o trecho fica sabendo que o perfume era de nardo e o preço girava em torno de 300 denários, uma verdadeira fortuna para os padrões da época.

Já no evangelho de Lucas, capítulo 7, versículos 36-50, a história é outra, e tem sido causa de grandes debates entre estudiosos do assunto, em função do equívoco que se estabeleceu ao longo dos séculos. Jesus está na casa de um fariseu, e não na casa de Simão, quando apareceu uma mulher. Vale ressaltar que nas descrições de Mateus, Marcos e depois na de João, a mulher não recebe qualquer qualificação depreciativa. A personagem da narrativa de Lucas traz também um alabastro com perfume, chora, e depois lava os pés de Jesus com suas lágrimas, enxugando-os com os seus cabelos. Aí, sim, nesta passagem ela é identificada como a pecadora, não sendo, portanto, Maria Madalena, a que primeiro viu o Senhor ressuscitado. Em Lucas, Jesus não coloca a mulher como aquela que vai ser lembrada, pelos milênios seguintes, como uma das propagadoras da Boa-Nova.

Por fim, em João, capítulo 12, versículos 1-8, uma outra janela se abre nessa controvérsia. Ali, a personagem central é Maria, a irmã de Marta e de Lázaro, o leproso que o Senhor havia ressuscitado. A confusão é que, neste caso, não surge nenhuma mulher vindo de fora, mas de dentro da casa. E ela é Maria, que repetindo o gesto narrado por Mateus e Marcos, unge os pés do Senhor e os enxuga com os seus cabelos. Assim, para o mesmo fato temos três marias: a suposta Madalena, de Mateus e Marcos, a pecadora, de Lucas, e Maria, a irmã de Lázaro.

Não se pode assim, pois, confundir a prostituta que aparece no relato de Lucas, com Maria de Betânia, irmã de Lázaro e Marta, narrada por João, nem com Maria Madalena, a Santa, descrita em Mateus, Marcos. A bíblia não deixa nenhuma dúvida que existiram as três mulheres, e que elas, embora diferentes entre si, foram personagens de um mesmo ato pelo o que ele tem de grandioso e humano. Porém por uma leitura mal feita, com ou sem intenção, ao longo de dois mil anos de cristianismo, a impressão que ficou no imaginário popular é a de que uma prostituta se transformou numa santa.

Antes de concluir estas breves meditações, quero dizer que a idéia de escrevê-las surgiu domingo à noite, quando assistia ao Programa Fantástico, da Rede Globo de Televisão. Na reportagem, foi perguntado a um monge do Convento de São Bento, no Rio de Janeiro, sobre o papel de Maria Madalena na história cristã. Para o meu espanto, o religioso respondeu que a personagem em questão tinha o inegável mérito de ter saído da condição de prostituta para se transformar numa discípula de Jesus. Pobre de nós cristãos. Pois ainda por muitos séculos teremos de ouvir padres e pastores evangélicos repetirem o mesmo e inopinado equívoco histórico do cristianismo.

Chico Castro - Brasília/2008

quinta-feira, 17 de junho de 2010

A TOCAIA DA JUSTIÇA

   Capa do livro Parabélum

Cadeia de Barras                                                           Rua Grande                            
                                                                                                     Namorada de Gregorio
                                                                                                                     
Eneas e Socorro

Parabélum é um dos livros mais instigantes que li nos últimos tempos. A obra de Eneas Barros é uma espécie de romance-reportagem, modalidade artística que se transformou em gênero literário nos anos 70, que se realiza no escritor piauiense com uma superioridade estética encontrada de igual jaez entre os ficcionistas brasileiros mais importantes do século passado, Ignácio Loyola Brandão [Zero], Antonio Callado, [Quarup] José Louzeiro [Araceli, meu Amor], trabalhos seminais neste tipo de literatura, agora se juntam à história de um crime que abalou Teresina em 1927, retratado pelo autor com um estilo muito próprio dos grandes mestres da arte de narrar.

Segundo os mais afamados teóricos da literatura, o que hipnotiza o leitor do romance-reportagem, é que ele traz ao mesmo tempo os ingredientes do romance de ficção misturados com a informação, o opinativo e o interpretativo. Ressalte-se ainda que, por não ser ficção propriamente dita, nem ser reportagem pura e simplesmente, mas uma ruptura de fronteiras entre os dois gêneros e uma aglutinação simultânea de algo que a princípio parece tão irreconciliável, o livro de Eneas Barros alcança de maneira magistral a trilha da excelente narrativa, pois que a história trágica de um homem acaba por se mover da condição pessoal para o palco da natureza humana no que esta tem de divino e desalentador.

Não reside justamente nessa bissetriz entre o real e o irreal o mérito de quem escreve seja ficcionista ou um simples contador de histórias? Da minha parte não há nenhuma dúvida. Baseando-se em registros oficiais, em notícias de jornais e nos anais dos inquéritos policiais, o autor customiza a massa informacional com momentos de rara astúcia literária, em algumas circunstâncias deixando o leitor sem saber onde começa a ficção e termina a realidade, ou onde esta se inicia e em que lugar se extingue a chama daquela. Estranho malabarismo que não deixa cair a ficha nem do mundo da invenção nem da cena do plausível. Admiravelmente, a ação vai sendo desenvolvida por um arguto observador da realidade em cuja lanterna mágica aparece da escuridão a imagem de uma sociedade, no caso a teresinense, marcada desde o princípio pela ótica das elites que sempre viu com desdém do topo do seu egoísmo a miséria de um povo que ainda não encontrou o seu verdadeiro lugar ao sol.

O que é o real? Pelo livro ficamos sabendo que o motorista Gregório Pereira dos Santos foi assassinado pelo tenente Florentino de Araújo Cardoso, da Polícia Militar do Piauí, no dia 17 de outubro de 1927, às margens do rio Poty, em Teresina, crime que abalou toda a sociedade local pela frieza e pela barbaridade com que o delito foi cometido por uma autoridade que deveria manter a integridade física do prisioneiro. Qual foi a motivação do crime? A Diocese marcou a visita de Dom Severino Vieira de Mello, bispo do Piauí, à cidade de Barras para o dia 14 de outubro, uma sexta-feira, de 1927. A comitiva foi esperar o religioso fora do perímetro urbano, já que o atraso do mesmo deixara todos impacientes na cidade. Na volta, a comitiva [o motorista Gregório ao volante, o padre Lindolfo Uchôa, o juiz de Direito Arimateía Tito e o coronel Otávio de Castro Melo aboletados em um Ford bigode] voltou para Barras com um certo ar de desilusão. No entanto, muita gente achava que Dom Severino estava entre os passageiros. Ledo engano. O veículo, ao passar à porta da casa de Florentino atropelou o menino Manoel [que saíra de casa em disparada, talvez alvoroçado como toda população, face a tão ilustre presença na acanhada cidade do interior piauiense] de quatro anos, filho do tenente que era também o delegado da cidade. Todos os ocupantes foram unânimes em afirmar que não houve qualquer culpa do motorista, inclusive o juiz de Direito que argumentou que o acidente havia sido uma fatalidade do destino.

Desesperado, Florentino mandou Gregório para a cadeia pública. Espancado, violentado, amarrado, sem poder comer nem beber, várias testemunhas puderam comprovar os maus-tratos ao motorista. Diante de tanta ilegalidade, o juiz de Direito mandou soltar o preso por meio de um habeas-corpus. Mas no domingo pelo fim da tarde, não resistindo os graves ferimentos de que fora vítima, Manoel Cardoso de Vasconcelos veio a falecer para grande angústia do pai e comoção de toda a cidade. Antes da meia-noite, Florentino alugou um caminhão a fim de fazer sua mudança para Teresina. No veículo vieram o tenente, a esposa Guiomar, Severão [um matador profissional] e o motorista Gregório. Ao amanhecer da segunda-feira, dia 17 de outubro, como já foi dito, à esquerda do rio Poty, Gregório foi atingido por um tiro fatal disparado pela Parabélum do tenente Florentino. Caía por terra um homem simples que o povo transformou com a passagem dos anos num verdadeiro mártir, um santo milagreiro para muitos, um mito perpetuado na memória coletiva dos teresinenses. Se Florentino tivesse lido o romance Quincas Borba, saberia pela voz ácida do personagem de Machado de Assis, que “não há morte, há vida, porque a supressão de uma é a condição da sobrevivência da outra...”

O que o real? Florentino foi preso confinado na antiga prisão de Teresina que existia no Campo de Mártir, atualmente um estacionamento nas imediações do Ginásio de Esportes o Verdão. Mantido numa cela com todas as regalias que lhe convinha, o assassino confesso de Gregório terminou evadindo-se da prisão com a conveniência de seus pares de farda, para refugiar-se da lei durante um largo período de tempo, em primeiro lugar no interior do Piauí, depois no Ceará e, por fim, em Salvador, onde acabou sendo preso e recambiado para Teresina. Enfrentando um júri popular, foi condenado a 19 anos de prisão e três meses de reclusão. No segundo julgamento e no seguinte alcançou a tão almejada liberdade, terminando os seus dias em Crateús, no interior cearense. Mas o que mesmo o real? Dizem que além de ter perdido o filho, o tenente Florentino, fora informado antes de cometer o brutal assassinato, que a sua mulher Guiomar era amante do motorista Gregório, e que, em função do acidente em perdera a vida o filho amado, ela abortara no quintal de casa. Teria sido essa revelação a causa maior de Florentino ter disparado o tiro fatal que ceifou a vida de Gregório? O tenente poderia, de fato, suportar a idéia de ter sido traído numa situação em que o amante era um negro? É verdade mesmo que Guiomar traíra o esposo ou não seria mais uma artimanha do advogado de defesa [Cristino Castelo Branco, que vem a ser o pai do famoso Carlos Castello Branco, o maior jornalista político do Brasil de todos os tempos], para livrar o acusado das barras da prisão? Será?

A dúvida é a melhor arma que um escritor se utiliza no campo minado da verossimilhança. Por alguns instantes, me lembrei daquela passagem saborosa do romance Iaiá Garcia, do Velho Machado. O estranho e recluso personagem Luís Garcia descrito como um cético voraz “porque nenhuma vocação apostólica o incitava a abrir a outros a porta do seu refúgio”, num diálogo com Valéria que queria a todo custo que o filho se tornasse um herói na Guerra do Paraguai, percebendo que a mãe queria angariar algum benefício com o suposto “ato patriótico”, saiu-se com uma frase de arrasar quarteirão:” O coração humano é a região do inesperado”. Inesperado pode ter sido o coração de Florentino ao se sentir traído, mas ainda espetacularmente inesperado foi mesmo a absolvição do acusado pelo juiz que testemunhara o acidente que matara o menino Manoel, inclusive tendo este declarado antes e repetidas vezes depois, que tudo não passara de uma trágica ação do destino. Coincidência ou não, a arma do crime fora um presente que o governador de então do Piauí, o Dr. Mathias Olímpio de Mello dera ao tenente Florentino, após a nomeação do militar para exercer o cargo de delegado da cidade de Barras. Mera coincidência. Mas quem pode verdadeiramente imaginar uma separação entre o que é ficção e o que realidade? Quem pode adivinhar o que pode acontecer amanhã, inclusive comigo que nesta manhã fria de Brasília, procuro cumprir a promessa de escrever um artigo sobre esse fabuloso trabalho de Eneas Barros?

O que é o irreal? O irreal me parece é aquilo que vive envolto no mistério. Sendo por vezes pura abstração, um escritor inteligente consegue transformá-lo num espelho onde se reflete o espírito do seu tempo ou a atmosfera do espírito em que a ação transcorre. Diferentemente da realidade, a ficção é um convite à liberdade e uma chance que um autor permite à alegria da reflexão. Como diz o poeta grego Hesíodo em seu livro O trabalho e os Dias, “o oculto retêm os deuses o vital para os homens”. Eneas Barros oculta aos pobres leitores o essencial para os nossos olhos mundanos. O que um crítico pode esperar do inesperado que surge numa página onde as letras, as frases, as orações vão surgindo e ocupando o deserto branco de um folha de papel? Ou tela desnudada de um computador aberto, um sol para a introspecção do mundo? Cada narrativa é uma ocasião para sonhar. O que quero dizer é que o chamado mundo real está mais cheio de simulacros que o dia-a-dia do teatro de espelhos deste mundo. Terá razão o sábio grego Heráclito, citado por Nietzsche, ao falar pela boca do filósofo alemão, em o Crepúsculo dos Deuses, que “o ser é uma ficção vazia.”?

Para que mais irreal do que a fuga de Florentino arquitetada por um sargento da PM do Piauí, os passeios fora da prisão para fazer ninguém sabe o quê, a figura do pistoleiro Severão, homem de confiança do tenente assassino, pago por políticos para matar seus desafetos, o descumprimento por parte do oficial da PM de uma ordem judicial expedida por um magistrado, os pedidos de cura feitos por devotos a Gregório [no caso, a romaria que ainda hoje se faz em Teresina no memorial dedicado ao mártir, e em especial, no Dia de Finados], a absolvição do réu no terceiro julgamento altamente suspeito, a volta dele a Barras 28 anos depois de ser considerado inocente em que, segundo Enéas Barros, “perambulou pela pelas ruas como um desconhecido”. É tudo muito surreal. O que existe de mais irreal do que a realidade que nos cerca? Em que lugar do Paraíso termina a ficção e começa a realidade. Ou que lugar do passado se pode resgatar o presente, para vislumbrar no futuro uma humanidade sem futuro, um mundo sem sonho, sem fantasia? Qual o papel de um escritor nos tempos atuais? Lembro-me agora daquela famosa passagem no livro O Triste Fim de Policarpo Quaresma. Quaresma, o incrível personagem criado pela mente exuberante de Lima Barreto, ao querer convencer Floriano de que o sonho é maior do que a realidade, ouviu da boca do personagem representado na figura exponencial do Marechal de Ferro: “Quaresma, você é um visionário”. Cá com meus botões, tomo a ousadia de repetir a célebre frase a Enéas Barros: “meu caro amigo, você também é um visionário. Mais um da moderna ficção brasileira. Que outros gregórios sejam ressuscitados pela sua engenhosa imaginação. Que venham mais amélias, ou outras camélias. A literatura piauiense, pobre em ficcionistas, [à exceção de O. Rego de Carvalho e de Assis Brasil], agradece penhorada a sua mais completa e exitosa contribuição.

Chico Castro/Brasília/junho de 2010.