VIVER TERESINA

É um espaço destinado a colher informações e a divulgar a poesia contemporânea brasileira, a tradição poética nacional e a vanguarda internacional. Historiadores e ensaístas poderão publicar também textos sobre a história do Brasil. O nome Viver Teresina é uma homenagem a um movimento literário criado pelo escritor Menezes y Morais nos anos 70 em Teresina.

Email: chicocastropi@gmail.com


sábado, 17 de julho de 2010

SEM TÍTULO









Outro dia eu estava conversando com um amigo meu
sobre o sabor ruim do bombom ice-kiss

muito artificial para o meu gosto

na televisão tudo é muito bonito
dá vontade de chupar

ainda por razões não inteiramente explicáveis
e, portanto absurdas
semana passada um amigo meu foi preso e apanhou da polícia

depois ele me telefonou dizendo
que em face dos últimos acontecimentos
da vida política brasileira,
eu precisava fazer uma poesia mais social

vou publicar este poema no jornal
talvez ele mude de idéia.

Chico Castro - Rio de Janeiro/1984

segunda-feira, 12 de julho de 2010

SEM TÍTULO

Infelizmente, eu disse pra ela
Não posso fazer mais nada por você

Como uma agulha perdida
Numa pilha de papéis
Mas tem gente que adora
Ver o corpo refletido
No espelho dos motéis

Do começo de onde se estende a escuridão
Até o fim do sol da claridade
Sem nenhum alarde
Vou mostrar com quantos feijões se faz uma feijoada
Pois não se mede o amor como se mede uma estrada

Na hora dos noves fora
Não vou perder a calma

Se eu nunca fizesse
Tudo o que você quer
Nem por um punhado de dólares qualquer

Do começo de onde se estende a escuridão
Até o fim do sol da claridade
Vou mostrar com quantos feijões se faz uma feijoada
Pois não se mede o amor como se mede uma estrada.

Chico Castro - Teresina, 1995.

domingo, 11 de julho de 2010

ADIVINHE QUEM VEM PARA JANTAR



Foi no antigo Cine Royal, numa daquelas sessões de cinema de Arte, que assisti, em meado dos anos 70, ao filme Adivinhe quem vem para o jantar, de 1967, do diretor Stanley Kramer, com Spencer Tracy, Katharine Hepburn e Sidney Poitier nos papéis principais. Depois de 106 minutos de duração de uma das obras valiosas da filmografia mundial, nós pobres mortais ficamos sabendo a história de um bem-sucedido, fino e elegante médico negro, cuja fama já havia extrapolado os limites de seu país. O rapaz encontra-se com uma garota branca, filha de um casal de classe média norte-americana, e começa um tórrido romance. Até aí tudo bem. Só que os dois pombinhos resolvem se casar. A partir desse momento desenvolve-se toda a trama da película: o casamento inter-racial nos Estados Unidos, país tido e havido como exemplo de democracia para o planeta.

Quando a moça leva o famoso médico para apresentá-lo à família, abre-se uma longa e penosa discussão sobre tão inusitado acontecimento. Os pais da moça, liberais nas discussões sobre o preconceito racial, muito comum dos EUA nos anos 60, demonstram, porém, espanto diante da possibilidade da filha casar-se com um negro. Não menos especular foi a reação dos pais do médico, que se surpreendem quando a moça é apresentada a eles no aeroporto. O que demonstra que o preconceito racial é uma avenida de mão dupla. Num dos diálogos mais famosos do cinema, o genitor do médico questiona se ele tem pleno conhecimento, sendo um homem de cor, do passo que vai dar. O filho responde: “Eu não penso como uma pessoa de cor, mas como homem.”. No final, depois de um belo discurso, o pai da moça convida a todos para um jantar. Os convidados sentam-se à mesa, e a felicidade cai como um manto sobre a sagrada família!

A eleição de Barak Obama para a presidência dos Estados Unidos me fez lembrar novamente do filme. Obama, advogado dos mais ilustres, formado em duas das melhores universidades americanas, chega ao topo do poder em nível global. A imprensa fez a cobertura colocando o fato como uma mudança nos rumos da política na Terra do Tio Sam. Afinal, um negro chegou à presidência do país, onde há 40 anos, era um crime, em alguns estados, o casamento inter-racial. Que os 62 milhões de votos conseguidos pelo democrata vão acabar, de um só golpe, com a hegemonia conservadora que, derrotada pelo sufrágio universal, será jogada para sempre num lago de fogo. Que Obama sendo um homem de cor, muda-se da noite para o dia, o eixo das complexas relações seculares entre brancos e negros. Certo? Errado.

Assim como no filme, embora no final todos, brancos e negros sentam-se à mesa, simbolizando que o preconceito ruiu com um simples jantar, a eleição de Obama não significa também que o preconceito racial nos EUA acabou com a chegada de um negro à Casa Branca. Em primeiro lugar, devo dizer que a eleição de Obama foi mais um gesto de protesto contra a desastrada administração Bush do que propriamente uma quebra de um preconceito racial. Para mim, democratas e republicanos são farinha do mesmo saco, e a simples diferença na pigmentação da pele, não é o paradigma para qualquer mudança na estrutura da sociedade americana. Vale lembrar que as emendas 13, 14 e 15, feitas à Constituição daquele país, votadas entre 1865 a 1870, que estabeleceu a igualdade racial, somente um século mais tarde, teve sua vigência reconhecida pela implantação dos direitos civis, o que custou, como se sabe, o vida de Martim Luther King.

Obama tem a alma branca . Antes de ser um negro, ele é um cidadão norte-americano, educado para ver a América como um farol do mundo, expressão, alias, que usou no seu discurso da vitória. A diferença entre democratas e republicanos é que os primeiros sabem sentar-se à mesa, assim como o personagem do filme, e desfrutar um saboroso jantar, tendo os brancos como anfitriões. Enquanto os republicanos comem um churrasco pegando as carnes com as mãos, para depois enxugá-las passando as mesmas pelos cantos da boca. Os democratas conversam, depois atiram. Os republicanos atiram, depois mentem para todos nós. Os democratas fazem a guerra colocando algodão entre os cristais. Os republicanos forjam a guerra colocando-a no horário nobre da TV. Os democratas são mais urbanos. Os republicanos, caipiras. Mas ambos fizeram a Guerra da Secessão que ensangüentou as cidades e os campos da América, no século XIX.

Posso até queimar a minha língua. Mas Obama vai fazer o que todos os políticos já fizeram. Prometem mundos e fundos na campanha e, uma vez no poder, fazem exatamente o contrário. Para nós, brasileiros, nada mais nos causa espanto. Pois, desde o século passado, as mudanças surgiram para deixar o povo no cantinho onde sempre esteve. Ou seja, em lugar nenhum. Melhor do que Obama é ver um gol de Obina, diz um amigo meu, torcedor do Flamengo. Eu, como bom vascaíno, não posso sequer atirar num urubu. Porque, se isso acontecer, vou ser preso por ordem do IBAMA.

Chico Castro - Brasília 11/11/2008

terça-feira, 6 de julho de 2010

A ARTE DE FURTAR OU A REVOLUÇÃO DO PANETONE


Pelo brilhante prefácio do imortal João Ubaldo Ribeiro ficamos sabendo que o livro A Arte de Furtar (LPM, RGS, 2005, 312p) surgiu para o grande público numa segunda edição em 1744 (a primeira, reza a lenda, é de 1652), de autoria atribuída ao padre Antonio Vieira. Certo? Errado. É um anônimo. A obra é dedicado ao rei D. João IV (1604-1656). Quando veio a segunda edição o rei era outro Dom João V, conhecido perdulário e mulherengo (ele tinha uma atração por freiras: consta que teria levado mais de trezentas para o seu leito monarcal) que quase levou o reino de Portugal à mingua, caso não fosse a firme posição de seu filho e sucessor, D. José I (devemos a este soberano a elevação do Piauí à condição de Capitania) que, ao nomear o Marquês de Pombal ministro dos ministros, salvou a pátria lusitana de uma crise de proporções semelhantes ao terremoto de que foi vítima Lisboa em 1755.

De que trata então A Arte de Furtar? O livro aborda um assunto tão velho quanto o sol: o roubo, um dos vícios mais difundidos na Humanidade desde que o mundo é mundo. Se o senso comum pensa que a corrupção, injustiças, fraudes em compras públicas, peculato, estelionato, especulação, tráfico de influências, superfaturamento, suborno, cabides de empregos, funcionários fantasmas, nepotismo, políticos nefastos são produtos dos tempos modernos, a prosa barroca da obra citada, mostra em pleno século XVIII que o buraco é bem mais em baixo do que imagina a nossa vã e doce consciência. O homem sempre foi o lobo do homem, diz em certo trecho o prefaciador. E é verdade. A diferença é que os ladrões de hoje são mais cínicos do que os de antigamente, e nós, pobres mortais não levamos, como os nossos antepassados, muito tempo para saber sobre as falcatruas. Até que um alvará de punição saísse de Lisboa para a América Portuguesa, a vaca profana do furto há muito tinha ido pastar em outros brejos. A modernidade tem lá também as suas delícias: sabemos na mesma hora tudo o que se passa na cueca dos outros ou o que está sendo enfiado meias adentro. Belo consolo.

A política é a gazua da corrupção. Quando os portugueses retomaram a Bahia das mãos dos judeus- holandeses da Reforma, (os batavos invadiram a Terra de Todos os Santos em 1624), o rei de Portugal entregou a D. Fradique de Toledo dois ou três milhões de cruzados para as despesas da guerra. Expulsos os flamengos, houve uma briga entre Fradique e conde de Olivares pelo bezerro de ouro. Olivares pediu um ajuste de contas, contas mesmo, grana, mané, porque achou que o dinheiro não havia sido aplicado como deveria ser. Olivares pegou a pena e papel e viu que somando tudo, não chegava à casa de meio milhão! Vendo-se apertado, sem ter como explicar tamanha gastança, Fradique disse que os 2,5 milhões haviam sido consumidos mandando rezar missas em memória das almas daqueles que deram a vida pelo progresso Brasil!!!!! Daí, criou-se um mito de que “como os maiores ladrões são os que têm por ofício livrar-nos de outros ladrões”, Fradique ainda argumentou que uma grande parte do dinheiro “se foi por entre os dedos das unhas militares, porque dinheiro que corre por muitas mãos é como o pez do breu, que logo se pega aos dedos e mete por entre unhas”. Desculpas e metáforas esfarrapadas do século XVIII que se repetem em pleno século XXI.

À primeira vista o mundo parece um sindicato ou um covil de ladrões. Agora, meus amigos, sejamos sinceros. Política e corrupção são como duas irmãs siamesas que nem a medicina da mais alta resolução é capaz separá-las. Mas, espera aí: e os outros? Como dizia um macaco que fazia parte de um show de humor no Brasil nos anos 80. Onde estão os outros ladrões? O roubo no Brasil é corporativo. Um governador ou um presidente da República é mais preocupado em indicar logo que assume, alguém de sua confiança para ocupar um cargo nos tribunais de contas dos estados ou no Tribunal de Contas da União. A pressa não é inimiga da perfeição?. Tudo farinha do mesmo saco, com raras exceções, lógico, porque ninguém é de ferro; afinal, é de ouro mesmo que se fizeram as fortunas de passado, o ouro das Minas Gerais levado para Lisboa e depois para a Inglaterra, para embelezar os espelhos, as torneiras, as pias, os vasos onde eram evacuados os imperiais detritos da natureza humana, muitas vezes postos na vastidão inexplicável do vazio das almas.

O escândalo de Brasília é de fazer os cerrados virarem os jardins da antiga Babilônia. Uma imagem, afirmam os chineses, vale por mil palavras. Quando eu vi o Governador Arruda embolsar um pacote de dinheiro, pensei comigo: e os outros? Ah, se houvesse uma câmara daquelas escondidas pelos palácios do Brasil! Para que serve o voto? Votamos para dar o direito de alguém roubar em nome do nosso santo nome. Para que serve a polícia, o judiciário, a moral? O que realmente é a democracia? A possibilidade de eu ver na televisão as pessoas rezando ao redor do meu pobre dinheirinho, ou melhor, do nosso rico dinheirão, que poderia muito bem servir para fazer pontes, hospitais, escolas, estradas, estradas mesmo, e não apenas um arremedo de estradas; o dinheiro que poderia ser aplicado em investimentos, em pesquisas de todos os naipes, no samba, na poesia e no carnaval. Estamos todos fritos. Elegemos os ladrões que vão nos roubar e eles não se incomodam com nada. Sabem que não vai dar em nada. Daqui a pouco, esquecemos tudo, como todo esquecimento. Quantas vezes ouvimos alguém dizer que não sabia de nada? Que tudo não passava de intriga da oposição. Mas que oposição? Se na calada da noite ou ao sol do meio-dia todos os gatos são pardos.

Ladrão que rouba ladrão tem cem anos de paredão! Quantos anos de paredão deveria pegar um político ladrão que rouba um povo honesto e trabalhador como o brasileiro? O povo também é ladrão? Político-ladrão é o binômio que se ouve na voz rouca das multidões. Mas por que um povo honesto e trabalhador como o brasileiro elege tantos ladrões? Vamos devagar com o andor. Os nossos representantes são ladrões de um povo honesto? ou o povo é desonesto e por isso elege os corruptos? Qual das opções você escolhe, meu leitor, meu irmão? Claro, claro, claro, nem todos os políticos usam e abusam do que não lhes pertencem. Claro, claro, claro, conheço políticos probos, dignos e sérios. No século XIX no Brasil havia dois partidos: os liberais e os conservadores. Alguém chegou a dizer que não havia nada mais de conservador do que um liberal no Governo, da mesma forma que não havia ninguém mais oposicionista do que um conservador na oposição. Ou seja: todo governista é otimista. Toda oposição é pessimista. Para os primeiros, vivemos no melhor dos mundos. Para os últimos, vivemos numa terra arrasada. Portanto, vamos abrir a caixa de Pandora do Governo e da Oposição. Certamente, nem a esperança encontrará ali mais abrigo.

Mas o Grande Ladrão ninguém conhece. Conhecemos os afoitos. Aqueles que tem inveja do ladrão desconhecido sobre a cabeça ou o túmulo dos quais os governantes de todo o mundo prestam homenagens com flores e tiros de canhão. Sim, o ladrão desconhecido. Sim, aquele que rouba a nossa consciência, aquele que entra virtualmente em nossa casa, aquele que embala a nossa fantasia enquanto nos divertimos. Seria a cultura um modo de não enxergar o Grande Ladrão? De fato, a cultura engrandece a nossa alma, mas também pode ser usada para entorpecer os nossos corações. Há uma diferença entre o oficial e o real. O oficial é isso: sou inocente até que se prove o contrário, apesar das imagens que falam por si, é verdade, as imagens falam por si, sim, senhor, presidente, senhor governador. Como não? Por muito menos se prende um ladrão de galinhas ou por um pote de manteiga uma mulher grávida amarga três meses sem nenhum julgamento. O real é isso: não conhecemos o Grande Ladrão, o Ladrão Universal, Wall Street, aquele que se faz passar por cordeiro, aquele que se faz de eterna vítima, de coitadinho, quando na realidade é rico, vive com as burras cheias, inclusive de ódios e de separações, de muros que se criam a toda hora, para que ninguém possa ver no horizonte o Grande Ladrão.

Quem será o ladrão do ano? Vou esperar ansiosamente por este espetáculo. Câmaras, luz, ação. Eis que surge o ladrão do ano, para o aplauso de todos. Vamos homenageá-los com medalhas e diplomas, vamos soltar fogos de artifícios pelo céu azul e anil, vamos brindar com a melhor taça a entrada triunfal do ladrão do ano em nossas casas.

Bem, já que estamos perto do Natal e do Ano Novo, que tal perdoar os nossos ladrões? Perdoar colocando-os na cadeia. Faço um apelo: vamos colocar um tapete vermelho para os nossos amados ladrões em cada corredor, em cada cela. Eles merecem. Nós, não. Somos apenas espelho de enganos, teatro de inverdades, possuidores de horas minguadas, gazua descartável do reino da sacanagem oficial, do que nunca se emenda, como se tomando pouco se rouba mais do que tomando muito; dos ladrões que nos roubam e ainda acreditam que não devem nada a ninguém, que se escondem atrás das leis, da imunidade parlamentar, de gravatas importadas, de ternos de fino trato, de mulheres escandalosamente lindas que se enroscam aos que furtam com as unhas disfarçadas. E o que é pior, ainda prestamos divindade ao vício e não à virtude. Belo e contínuo vício. Ao que parece, esta deformidade vai perdurar pelos séculos, porque a ciência de furtar é coisa de nobre, e somente pensando assim, continuamos a prestar as mais dignas homenagens a quem nos engana.

Chico Castro - Brasília/08/12/2009

domingo, 4 de julho de 2010

O DIABO VESTE A TIRANIA DA MODA


Acabei de assistir, aliás com muito atraso, ao filme O Diabo Veste Prada, do diretor David Frankel, (o mesmo de Sex and the City), baseado no romance homônimo do badalado jornalista Lauren Weisenberg. Confesso que a princípio relutei em ligar o DVD (tenho preguiça de sair de casa para ficar no escurinho do cinema) para ver o registro sobre o alto mundo da moda. Nada de preconceito sobre moda. Moda é arte, já dizia Roland Barthes, em ensaio famoso, no final dos anos 50. A minha relutância inicial, é ranço ou mania preconceituosa de quem, desde os anos 70, se acostumou com o melhor da cinematografia cult. Mas o meu reconhecimento pela criação magistral de Frankel se fez sentir logo no início.Só esqueci de fazer a pipoca no microondas e trazer o guaraná para sala da TV.

O filme conta à história de Miranda Priestly (Meryl Streep), uma tirana diretora de uma grande revista de moda. Depois de contratar várias moças para ser sua assistente, a todo-poderosa senhora do universo fashion, se vê às voltas com uma nova empregada, a jovem Andy Sachs (Anne Hathaway) que entendia tanto do assunto quanto eu da complicada Teoria da Incerteza, do físico alemão Heisenberg. Tinha, portanto tudo para não dar certo, mas acabou dando, pelo menos até quando resolveu, no final do filme, jogar uma carreira promissora para voltar aos braços do namorado, um simples cozinheiro de um restaurante para grã-finos em Nova York.

Do ponto de vista do roteiro o tema da comédia é simples. Uma moça bonita que tinha pretensões de ser uma jornalista bem-sucedida, acaba indo trabalhar num lugar onde a regra é o total afastamento dos mais puros sentimentos humanos. Mesmo porque, justifica um dos colegas, ela estava num lugar onde “um milhão de garotas morreria para conseguir”. Ao assumir a nova função, Andy tem, logo no começo, que desfazer-se de suas roupas, muito cafonas para o ambiente onde a moda evolui conforme as circunstâncias de um fabuloso mercado globalizado. Desajeitada, tudo no começo foi um desencontro, até que um belo dia, um dos encarregados dos grandes lançamentos, troca o figurino da estreante. Daí a razão do enredo do filme.Muda-se a roupa, transmuta-se a personalidade, sugere o inteligente diretor.

Da indumentária simples que vestia anteriormente, próprias de uma estudante recém-saída da faculdade, passa a usar peças da alta costura internacional. Até aí, tudo bem. Mas à medida que a diretora aprova o seu trabalho na proporção em que se veste adequadamente, a assistente começa a despir-se literalmente de seus sentimentos com a família, os amigos e o namorado. Uma bela metáfora capaz de mostrar como o trabalho sem fronteiras e excessivamente massacrante pode levar uma pessoa “normal” a despersonalizar-se e viver como um robô em função das demandas que o mundo das aparências exige como condição primordial.

O filme apresenta o glamour e a futilidade de uma parte privilegiada do misterioso nicho feminino. Glamour para os agentes envolvidos em desfiles, festas vips e viagens a lugares maravilhosos. E futilidade para muitos misturada com pitadas de inveja para outros que não podem, e provavelmente nunca terão, as condições necessárias de ter acesso a roupas, bolsas e outros acessórios que fazem a fantasia de milhões de mulheres em todo mundo. No fundo, o diretor mostra como a tirania e o sadismo se manifestam até em pequenos detalhes mesmo num ambiente em que aparentemente tudo é brilho e purpurina. Chega de soldados nazistas humilhando judeus miseráveis nos campos de concentração. Pois a obsessiva Miranda, vivendo no “inocente” encantamento da moda, pode muito bem fazer o mesmo trabalho sujo dos carrascos do III Reich.

O diretor sinaliza para três questões fundamentais da contemporaneidade: o trabalho, o sucesso e o amor. No primeiro caso, indica um tremendo paradoxo de uma sociedade que se moderniza na mesma velocidade em que diminui a geração de empregos, notadamente nos grandes centros urbanos. Milhares de jovens saem das universidades ou cursos técnicos sem saber ao certo se entrarão no cada vez mais competitivo mercado de trabalho. Se formam num determinado curso por eles vocacionado, mas terminam indo trabalhar num lugar completamente diferente da pretensão original. O choque entre o desejo de ser feliz e a dura realidade de um emprego extemporâneo faz nascer a sensação de que para tornar-se vitorioso é indispensável matar-se a si próprio ou passar por cima de tudo ou de todos.

A sociedade do espetáculo em que vivemos faz do sucesso a qualquer custo uma questão de honra pessoal. Nem que para isso seja preciso vender a alma ao diabo. As pessoas que se metem nesse imbróglio para alcançar os seus objetivos executam ou são levadas a praticar atos ou ações que em outras circunstâncias seriam perfeitamente descartáveis. É caso de Andy que se vê forçada a ir a Paris no lugar da amiga. Algo do mundo ficção repetido milhares de vezes na vida cotidiana. Mesmo sem querer, a assistente se vê na obrigação de comunicar para a colega de trabalho uma decisão que veio dos altos escalões da empresa. É o velho clichê: mana quem pode, obedece que tem juízo. O difícil foi convencer a outra de que ela não tinha nada a ver as decisões da magnética e autoritária Miranda.

Por fim, o amor. Andy ao se ver cada vez mais despersonalizada pelo trabalho extenuante e neurótico, esbarra-se com as pretensões apaixonadas do namorado. Então, numa grande recepção na capital francesa joga tudo para o alto, no auge da festa programada por Miranda, para voltar impetuosa e arrependida aos braços do rapaz, que ficara em Nova York.Ela tenta e consegue recuperar o amor quase perdido em função do tempo que gastou trabalhando por dinheiro no fascinante mercado da moda. Uma comédia romântica, portanto, em que uma pessoa ao se ver desumanizada, pode trocar o poder por uma vida simples desde que seja temperada pelo velho e sempre eterno sentimento amoroso.No final do filme,disfarcei para engolir uma lágrima.

Uma pequena estória em que o amor vence a tirania. Há muitas pessoas aqui de Brasília e em todo lugar que se comportam como Miranda, a personagem brilhantemente interpretada por Meryl Streep. Ao chegar ao poder, não interessa se militar, civil, ou um belo cargo comissionado do Governo Federal, um ex- Zé Ninguém passa a tratar os subordinados com mais autoritarismo e ferocidade, do que os seus antigos opressores.Quase todo mundo enlouquece com o poder. Dizem que é afrodisíaco. Acho que é, se se levar em conta o que disse uma velha raposa da política brasileira: “Política é namoro entre homens.”

Mas uma coisa é certa: o poder sabe criar dragões com cara de anjos. Parece que para chegar lá, com certeza, é preciso ter a consciência da linha demarcatória que separa o sentimento da razão. Porque, assim como no mundo da moda, o poder vive à custa das aparências, e que se danem aqueles que teimam em revelar a sombra que se oculta por detrás dos flashes e dos sorrisos.

Chico Castro – Brasília/2006

sábado, 3 de julho de 2010

SEM NOME

não é mais a esperança
que embala o meu coração
nem a dor, nem a tristeza.

repito e trepido mais uma vez
vivo na cola da magia
pelo atalho que conduz à lucidez

forasteiro de mim mesmo
a refeição posta à mesa
com é linda antes de comê-la!

conto nos dedos as sílabas do desejo
conto na língua as interjeições da alegria
o olhar caindo sobre os galhos do arvoredo

o azul cobre todo o céu
cá embaixo o amor resiste
até quando, meu DEUS,
 ninguém ainda me disse.

Chico Castro - Teresina/1994