VIVER TERESINA

É um espaço destinado a colher informações e a divulgar a poesia contemporânea brasileira, a tradição poética nacional e a vanguarda internacional. Historiadores e ensaístas poderão publicar também textos sobre a história do Brasil. O nome Viver Teresina é uma homenagem a um movimento literário criado pelo escritor Menezes y Morais nos anos 70 em Teresina.

Email: chicocastropi@gmail.com


domingo, 24 de outubro de 2010

FAROFA BRASILEIRA


As carnes e a linguiça
O paio e o feijão
O amor e a preguiça
A guerra e a solidão

 

A favela e o medo
A sombra e o sol
O crime e o segredo
O noite e o arrebol

 

O verbo e o substantivo
O singular e o plural
O parado e o ativo
O sem gosto e o sal

 

A letra e a canção
A tinta e o papel
O crime e o perdão
O inferno e o céu

 

O masculino e o feminino
O judeu e o beduíno
O professor e a escola
A bolsa e a esmola

Chico Castro - Brasília, 2007


 

terça-feira, 19 de outubro de 2010

O Dia do Piauí








O Piauí tem quatro vogais em seu santo nome. Vogal é um tipo de fonema que passa pela boca sem sofrer interrupção do ar. Ou seja, as vogais podem ser consideradas a liberdade de viver quando o coração emite o som que cada uma das cinco letrinhas possui.

As vogais são livres, mas mesmo assim, estão presas na teia das imperiosas consoantes. É como se elas dissessem: uma minoria privilegiada não pode viver longe da maioria sem nada nos bolsos ou nas mãos. Quer dizer, as vogais, sendo minoria em relação ao número de consoantes, mesmo assim botam a maior banca.

As vogais são encrenqueiras. São cinco, a, e, i, o, u. Mas na realidade quando querem, se multiplicam em sete. O último é de Pelé, é diferente do ê de medo, não é, meu dedo? O primeiro ó de pólvora, não tem o mesmo som do ô de povo, não é seu polvo?

O Piauí, sendo uma palavra formada por uma maioria de vogais, e sendo as vogais uma minoria na ditadura da gramática, a Terra de Mafrense é em si mesma uma brutal e maravilhosa contradição.

Pode ver. As vogais são uma maioria absoluta no Piauí. Se houvesse uma eleição, ganhariam a parada logo no primeiro turno. Quem manda no Piauí são as vogais que, mesmo sendo minoria na teoria, se orgulham de ser uma maioria na prática.

As consoantes são problemáticas. Vivem um eterno drama existencial. As coitadinhas vivem brigando com o ar que sai dos pulmões. Que pena! Morrem de inveja da liberdade das vogais, que, leves como as nuvens, voam no céu como uma carruagem de fogo puxada por dezenas de cavalos alados.

Tenho dó do P do Piauí. Na gramática, a sua família é bem maior do que a família das vogais. Como pode uma família menor mandar numa família mais numerosa? No Piauí, as vogais tudo podem. Mas o P vive sozinho, coitado, desgarrado como um boi sem pasto, uma noite sem estrelas, uma casa sem porta. Seguramente, não serão as vogais que vão dar uma mãozinha para o P, que há séculos vegeta na palavra Piauí.

O P do Piauí, que é o mesmo de Prometeu, vive a angústia e a dor de um deus traído e acorrentado.

Quem vai lutar por uma anistia ampla, geral e irrestrita para tirar do isolamento o P do Piauí?

Chico Castro
Brasília, 19 de outubro de 2010.