VIVER TERESINA

É um espaço destinado a colher informações e a divulgar a poesia contemporânea brasileira, a tradição poética nacional e a vanguarda internacional. Historiadores e ensaístas poderão publicar também textos sobre a história do Brasil. O nome Viver Teresina é uma homenagem a um movimento literário criado pelo escritor Menezes y Morais nos anos 70 em Teresina.

Email: chicocastropi@gmail.com


sábado, 4 de dezembro de 2010

DOCUMENTO SOBRE A PRISÃO DE JOÃO JOSÉ DA CUNHA FIDIÉ



Este documento de notável importância para a História do Piauí foi extraído da Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro do Rio de Janeiro (Garnier, tomo XXXVI, primeira parte, Rio de Janeiro, 1873).

Fidié foi o comandante das tropas portuguesas quando se deu a Batalha do Jenipapo, perto da cidade de Campo Maior, no interior do Piauí, a 13 de março de 1823, episódio seminal para a definição da Independência do Brasil.

Chico Castro - Brasília - dez/2010

domingo, 7 de novembro de 2010

Meu Nós & Elis






O belo texto da Patrícia se refere a um período posterior aos primórdios do Nós & Elis. Porque, diz ela, a sua inserção nas noites do bar se deu quando o mesmo se encontrava sob a administração da família Fonteles, vale dizer, da médica Nazaré Fonteles, suas irmãs e irmãos.

Em 1989 (ano em que se deu o show da Patrícia que ainda era Melo), eu morava no Rio de Janeiro e recebi a visita do cantor Terra Francisco, à época namorado da Nazaré. O Terra foi à Cidade Maravilhosa gravar o seu primiero LP, ao qual dei uma modesta contribuição.

Como sou (bem) mais velho do que a Patrícia, tive a sorte de conhecer o bar desde o começo. Só pra se ter uma idéia, no dia 25 de abril de 1984, quando da votação das diretas, eu e mais uma pá de gente, estivemos lá torcendo. Além de frequentador assíduo era também um dos últimos a sair; ficava tomando as eternas saideiras como o dono, meu amigo Elias do Prado Júnior, de saudosa memória.

Vi muita gente famosa de hoje dando os seus primeiros passos na música popular brasileira feita no Piauí. E também ouvi muitas estórias e fui testemunha de muitos fatos que a minha prudência de cinquentão (fiz 56 anos dia 10.12.2009) não me permite mais revelar em público.

O certo é que o Nós & Elis deixou um lastro de glória e de vitória para a cultura piauiense. Lá, eu e muitos poetas fizemos vários happenings, madrugada adentro. Aliás as mulheres mais bonitas de Teresina estavam bem ao alcance de nossas cobiças libidinosas. A comida era boa e farta. No começo, o Elias dava uma prato a mais para quem pedia um jantar. Pagava religiosamente os músicos, um dos primeiros, se não o primeiro, a fazer tal prática uma questão pessoal.

Era no tempo em que a zona leste não tinha os espigões de hoje. Nem a violência. Saíamos para acender nossos baseados bem na pracinha que ficava ao lado do bar. Muitas vezes vim a pé para casa, só pelo prazer de andar pelas ruas desertas de Teresina, sem medo algum, ou pelo simples motivo de desejar acender mais um, antes do merecido sono. Ou por ter gasto todo o dinheiro com as eternas saideiras em companhia do Elias.

É isso. O Nós & Elis marcou um tempo que nenhum esquecimento pode apagar.

Chico Castro - (Crônica publicada originalmente no livro No Nós & Elis: a gente era feliz - e sabia/ Teresina: Gráfica Halley, 2010).

domingo, 24 de outubro de 2010

FAROFA BRASILEIRA


As carnes e a linguiça
O paio e o feijão
O amor e a preguiça
A guerra e a solidão

 

A favela e o medo
A sombra e o sol
O crime e o segredo
O noite e o arrebol

 

O verbo e o substantivo
O singular e o plural
O parado e o ativo
O sem gosto e o sal

 

A letra e a canção
A tinta e o papel
O crime e o perdão
O inferno e o céu

 

O masculino e o feminino
O judeu e o beduíno
O professor e a escola
A bolsa e a esmola

Chico Castro - Brasília, 2007


 

terça-feira, 19 de outubro de 2010

O Dia do Piauí








O Piauí tem quatro vogais em seu santo nome. Vogal é um tipo de fonema que passa pela boca sem sofrer interrupção do ar. Ou seja, as vogais podem ser consideradas a liberdade de viver quando o coração emite o som que cada uma das cinco letrinhas possui.

As vogais são livres, mas mesmo assim, estão presas na teia das imperiosas consoantes. É como se elas dissessem: uma minoria privilegiada não pode viver longe da maioria sem nada nos bolsos ou nas mãos. Quer dizer, as vogais, sendo minoria em relação ao número de consoantes, mesmo assim botam a maior banca.

As vogais são encrenqueiras. São cinco, a, e, i, o, u. Mas na realidade quando querem, se multiplicam em sete. O último é de Pelé, é diferente do ê de medo, não é, meu dedo? O primeiro ó de pólvora, não tem o mesmo som do ô de povo, não é seu polvo?

O Piauí, sendo uma palavra formada por uma maioria de vogais, e sendo as vogais uma minoria na ditadura da gramática, a Terra de Mafrense é em si mesma uma brutal e maravilhosa contradição.

Pode ver. As vogais são uma maioria absoluta no Piauí. Se houvesse uma eleição, ganhariam a parada logo no primeiro turno. Quem manda no Piauí são as vogais que, mesmo sendo minoria na teoria, se orgulham de ser uma maioria na prática.

As consoantes são problemáticas. Vivem um eterno drama existencial. As coitadinhas vivem brigando com o ar que sai dos pulmões. Que pena! Morrem de inveja da liberdade das vogais, que, leves como as nuvens, voam no céu como uma carruagem de fogo puxada por dezenas de cavalos alados.

Tenho dó do P do Piauí. Na gramática, a sua família é bem maior do que a família das vogais. Como pode uma família menor mandar numa família mais numerosa? No Piauí, as vogais tudo podem. Mas o P vive sozinho, coitado, desgarrado como um boi sem pasto, uma noite sem estrelas, uma casa sem porta. Seguramente, não serão as vogais que vão dar uma mãozinha para o P, que há séculos vegeta na palavra Piauí.

O P do Piauí, que é o mesmo de Prometeu, vive a angústia e a dor de um deus traído e acorrentado.

Quem vai lutar por uma anistia ampla, geral e irrestrita para tirar do isolamento o P do Piauí?

Chico Castro
Brasília, 19 de outubro de 2010.

quinta-feira, 26 de agosto de 2010

Autor autografa “A Coluna Prestes no Piauí" no estande do Senado na Bienal de São Paulo




O militar e político cearense Juarez do Nascimento Fernandes Távora foi um dos líderes da Coluna Prestes. A história oficial conta que ele foi preso nos arredores de Teresina (PE), no início de 1926. No livro “A Coluna Prestes no Piauí”, o jornalista piauiense Chico Castro defende outra tese: Juarez Távora não foi capturado, ele se entregou. No sábado passado, 21, o autor autografou sua publicação no estande do Senado na 21ª Bienal do Livro de São Paulo.

- A elucidação da suposta prisão de Juarez Távora é importante porque, a partir desse episódio, a Coluna Prestes perdeu forças e, ao invés de avançar para o norte do Brasil, recuou em direção à Bolívia para o exílio. No livro eu contesto a versão do próprio Juarez, de que ele foi preso. Na verdade ele praticamente se entregou. Percorri 5 mil quilômetros pelo interior do Piauí refazendo o roteiro que a Coluna fez no estado – afirmou Chico Castro.

Nessa excursão pelo Piauí em busca de vestígios, documentos e informações sobre a passagem da Coluna Prestes no Piauí, o jornalista recuperou fotografias antigas, bilhetes assinados por Luiz Carlos Prestes, além de cartas e telegramas. Chico Castro apurou ainda que foi nessa excursão em território piauiense que Prestes pela primeira vez manteve contato com o Partido Comunista Brasileiro. Alguns historiadores garantem que teria sido na Bolívia, já no exílio.

“A Coluna Prestes no Piauí” foi o penúltimo livro lançado por Chico Castro, em setembro de 2007. O primeiro foi “Camisa aberta e outros astrais”, em 1976, de poemas. O último, e décimo-terceiro, foi “Perfil Parlamentar do IIº Marquês de Paranaguá”, lançado pela editora da Câmara, em dezembro de 2009. A obra sobre Prestes foi lançada em diversas feiras de livro no Brasil e também em Havana e em Buenos Aires.

- Minha obra preenche uma lacuna da bibliografia brasileira sobre a saga da Coluna Prestes pelo interior do Brasil. Pouca gente do Sul e do Sudeste sabe que a Coluna esteve no Piauí. E esteve duas vezes. A primeira foi em dezembro de 1925 e a segunda em julho de 1926. O livro dá detalhe dessas duas passagens – explicou Chico Castro.

Fonte: Agência Senado

sábado, 17 de julho de 2010

SEM TÍTULO









Outro dia eu estava conversando com um amigo meu
sobre o sabor ruim do bombom ice-kiss

muito artificial para o meu gosto

na televisão tudo é muito bonito
dá vontade de chupar

ainda por razões não inteiramente explicáveis
e, portanto absurdas
semana passada um amigo meu foi preso e apanhou da polícia

depois ele me telefonou dizendo
que em face dos últimos acontecimentos
da vida política brasileira,
eu precisava fazer uma poesia mais social

vou publicar este poema no jornal
talvez ele mude de idéia.

Chico Castro - Rio de Janeiro/1984

segunda-feira, 12 de julho de 2010

SEM TÍTULO

Infelizmente, eu disse pra ela
Não posso fazer mais nada por você

Como uma agulha perdida
Numa pilha de papéis
Mas tem gente que adora
Ver o corpo refletido
No espelho dos motéis

Do começo de onde se estende a escuridão
Até o fim do sol da claridade
Sem nenhum alarde
Vou mostrar com quantos feijões se faz uma feijoada
Pois não se mede o amor como se mede uma estrada

Na hora dos noves fora
Não vou perder a calma

Se eu nunca fizesse
Tudo o que você quer
Nem por um punhado de dólares qualquer

Do começo de onde se estende a escuridão
Até o fim do sol da claridade
Vou mostrar com quantos feijões se faz uma feijoada
Pois não se mede o amor como se mede uma estrada.

Chico Castro - Teresina, 1995.

domingo, 11 de julho de 2010

ADIVINHE QUEM VEM PARA JANTAR



Foi no antigo Cine Royal, numa daquelas sessões de cinema de Arte, que assisti, em meado dos anos 70, ao filme Adivinhe quem vem para o jantar, de 1967, do diretor Stanley Kramer, com Spencer Tracy, Katharine Hepburn e Sidney Poitier nos papéis principais. Depois de 106 minutos de duração de uma das obras valiosas da filmografia mundial, nós pobres mortais ficamos sabendo a história de um bem-sucedido, fino e elegante médico negro, cuja fama já havia extrapolado os limites de seu país. O rapaz encontra-se com uma garota branca, filha de um casal de classe média norte-americana, e começa um tórrido romance. Até aí tudo bem. Só que os dois pombinhos resolvem se casar. A partir desse momento desenvolve-se toda a trama da película: o casamento inter-racial nos Estados Unidos, país tido e havido como exemplo de democracia para o planeta.

Quando a moça leva o famoso médico para apresentá-lo à família, abre-se uma longa e penosa discussão sobre tão inusitado acontecimento. Os pais da moça, liberais nas discussões sobre o preconceito racial, muito comum dos EUA nos anos 60, demonstram, porém, espanto diante da possibilidade da filha casar-se com um negro. Não menos especular foi a reação dos pais do médico, que se surpreendem quando a moça é apresentada a eles no aeroporto. O que demonstra que o preconceito racial é uma avenida de mão dupla. Num dos diálogos mais famosos do cinema, o genitor do médico questiona se ele tem pleno conhecimento, sendo um homem de cor, do passo que vai dar. O filho responde: “Eu não penso como uma pessoa de cor, mas como homem.”. No final, depois de um belo discurso, o pai da moça convida a todos para um jantar. Os convidados sentam-se à mesa, e a felicidade cai como um manto sobre a sagrada família!

A eleição de Barak Obama para a presidência dos Estados Unidos me fez lembrar novamente do filme. Obama, advogado dos mais ilustres, formado em duas das melhores universidades americanas, chega ao topo do poder em nível global. A imprensa fez a cobertura colocando o fato como uma mudança nos rumos da política na Terra do Tio Sam. Afinal, um negro chegou à presidência do país, onde há 40 anos, era um crime, em alguns estados, o casamento inter-racial. Que os 62 milhões de votos conseguidos pelo democrata vão acabar, de um só golpe, com a hegemonia conservadora que, derrotada pelo sufrágio universal, será jogada para sempre num lago de fogo. Que Obama sendo um homem de cor, muda-se da noite para o dia, o eixo das complexas relações seculares entre brancos e negros. Certo? Errado.

Assim como no filme, embora no final todos, brancos e negros sentam-se à mesa, simbolizando que o preconceito ruiu com um simples jantar, a eleição de Obama não significa também que o preconceito racial nos EUA acabou com a chegada de um negro à Casa Branca. Em primeiro lugar, devo dizer que a eleição de Obama foi mais um gesto de protesto contra a desastrada administração Bush do que propriamente uma quebra de um preconceito racial. Para mim, democratas e republicanos são farinha do mesmo saco, e a simples diferença na pigmentação da pele, não é o paradigma para qualquer mudança na estrutura da sociedade americana. Vale lembrar que as emendas 13, 14 e 15, feitas à Constituição daquele país, votadas entre 1865 a 1870, que estabeleceu a igualdade racial, somente um século mais tarde, teve sua vigência reconhecida pela implantação dos direitos civis, o que custou, como se sabe, o vida de Martim Luther King.

Obama tem a alma branca . Antes de ser um negro, ele é um cidadão norte-americano, educado para ver a América como um farol do mundo, expressão, alias, que usou no seu discurso da vitória. A diferença entre democratas e republicanos é que os primeiros sabem sentar-se à mesa, assim como o personagem do filme, e desfrutar um saboroso jantar, tendo os brancos como anfitriões. Enquanto os republicanos comem um churrasco pegando as carnes com as mãos, para depois enxugá-las passando as mesmas pelos cantos da boca. Os democratas conversam, depois atiram. Os republicanos atiram, depois mentem para todos nós. Os democratas fazem a guerra colocando algodão entre os cristais. Os republicanos forjam a guerra colocando-a no horário nobre da TV. Os democratas são mais urbanos. Os republicanos, caipiras. Mas ambos fizeram a Guerra da Secessão que ensangüentou as cidades e os campos da América, no século XIX.

Posso até queimar a minha língua. Mas Obama vai fazer o que todos os políticos já fizeram. Prometem mundos e fundos na campanha e, uma vez no poder, fazem exatamente o contrário. Para nós, brasileiros, nada mais nos causa espanto. Pois, desde o século passado, as mudanças surgiram para deixar o povo no cantinho onde sempre esteve. Ou seja, em lugar nenhum. Melhor do que Obama é ver um gol de Obina, diz um amigo meu, torcedor do Flamengo. Eu, como bom vascaíno, não posso sequer atirar num urubu. Porque, se isso acontecer, vou ser preso por ordem do IBAMA.

Chico Castro - Brasília 11/11/2008

terça-feira, 6 de julho de 2010

A ARTE DE FURTAR OU A REVOLUÇÃO DO PANETONE


Pelo brilhante prefácio do imortal João Ubaldo Ribeiro ficamos sabendo que o livro A Arte de Furtar (LPM, RGS, 2005, 312p) surgiu para o grande público numa segunda edição em 1744 (a primeira, reza a lenda, é de 1652), de autoria atribuída ao padre Antonio Vieira. Certo? Errado. É um anônimo. A obra é dedicado ao rei D. João IV (1604-1656). Quando veio a segunda edição o rei era outro Dom João V, conhecido perdulário e mulherengo (ele tinha uma atração por freiras: consta que teria levado mais de trezentas para o seu leito monarcal) que quase levou o reino de Portugal à mingua, caso não fosse a firme posição de seu filho e sucessor, D. José I (devemos a este soberano a elevação do Piauí à condição de Capitania) que, ao nomear o Marquês de Pombal ministro dos ministros, salvou a pátria lusitana de uma crise de proporções semelhantes ao terremoto de que foi vítima Lisboa em 1755.

De que trata então A Arte de Furtar? O livro aborda um assunto tão velho quanto o sol: o roubo, um dos vícios mais difundidos na Humanidade desde que o mundo é mundo. Se o senso comum pensa que a corrupção, injustiças, fraudes em compras públicas, peculato, estelionato, especulação, tráfico de influências, superfaturamento, suborno, cabides de empregos, funcionários fantasmas, nepotismo, políticos nefastos são produtos dos tempos modernos, a prosa barroca da obra citada, mostra em pleno século XVIII que o buraco é bem mais em baixo do que imagina a nossa vã e doce consciência. O homem sempre foi o lobo do homem, diz em certo trecho o prefaciador. E é verdade. A diferença é que os ladrões de hoje são mais cínicos do que os de antigamente, e nós, pobres mortais não levamos, como os nossos antepassados, muito tempo para saber sobre as falcatruas. Até que um alvará de punição saísse de Lisboa para a América Portuguesa, a vaca profana do furto há muito tinha ido pastar em outros brejos. A modernidade tem lá também as suas delícias: sabemos na mesma hora tudo o que se passa na cueca dos outros ou o que está sendo enfiado meias adentro. Belo consolo.

A política é a gazua da corrupção. Quando os portugueses retomaram a Bahia das mãos dos judeus- holandeses da Reforma, (os batavos invadiram a Terra de Todos os Santos em 1624), o rei de Portugal entregou a D. Fradique de Toledo dois ou três milhões de cruzados para as despesas da guerra. Expulsos os flamengos, houve uma briga entre Fradique e conde de Olivares pelo bezerro de ouro. Olivares pediu um ajuste de contas, contas mesmo, grana, mané, porque achou que o dinheiro não havia sido aplicado como deveria ser. Olivares pegou a pena e papel e viu que somando tudo, não chegava à casa de meio milhão! Vendo-se apertado, sem ter como explicar tamanha gastança, Fradique disse que os 2,5 milhões haviam sido consumidos mandando rezar missas em memória das almas daqueles que deram a vida pelo progresso Brasil!!!!! Daí, criou-se um mito de que “como os maiores ladrões são os que têm por ofício livrar-nos de outros ladrões”, Fradique ainda argumentou que uma grande parte do dinheiro “se foi por entre os dedos das unhas militares, porque dinheiro que corre por muitas mãos é como o pez do breu, que logo se pega aos dedos e mete por entre unhas”. Desculpas e metáforas esfarrapadas do século XVIII que se repetem em pleno século XXI.

À primeira vista o mundo parece um sindicato ou um covil de ladrões. Agora, meus amigos, sejamos sinceros. Política e corrupção são como duas irmãs siamesas que nem a medicina da mais alta resolução é capaz separá-las. Mas, espera aí: e os outros? Como dizia um macaco que fazia parte de um show de humor no Brasil nos anos 80. Onde estão os outros ladrões? O roubo no Brasil é corporativo. Um governador ou um presidente da República é mais preocupado em indicar logo que assume, alguém de sua confiança para ocupar um cargo nos tribunais de contas dos estados ou no Tribunal de Contas da União. A pressa não é inimiga da perfeição?. Tudo farinha do mesmo saco, com raras exceções, lógico, porque ninguém é de ferro; afinal, é de ouro mesmo que se fizeram as fortunas de passado, o ouro das Minas Gerais levado para Lisboa e depois para a Inglaterra, para embelezar os espelhos, as torneiras, as pias, os vasos onde eram evacuados os imperiais detritos da natureza humana, muitas vezes postos na vastidão inexplicável do vazio das almas.

O escândalo de Brasília é de fazer os cerrados virarem os jardins da antiga Babilônia. Uma imagem, afirmam os chineses, vale por mil palavras. Quando eu vi o Governador Arruda embolsar um pacote de dinheiro, pensei comigo: e os outros? Ah, se houvesse uma câmara daquelas escondidas pelos palácios do Brasil! Para que serve o voto? Votamos para dar o direito de alguém roubar em nome do nosso santo nome. Para que serve a polícia, o judiciário, a moral? O que realmente é a democracia? A possibilidade de eu ver na televisão as pessoas rezando ao redor do meu pobre dinheirinho, ou melhor, do nosso rico dinheirão, que poderia muito bem servir para fazer pontes, hospitais, escolas, estradas, estradas mesmo, e não apenas um arremedo de estradas; o dinheiro que poderia ser aplicado em investimentos, em pesquisas de todos os naipes, no samba, na poesia e no carnaval. Estamos todos fritos. Elegemos os ladrões que vão nos roubar e eles não se incomodam com nada. Sabem que não vai dar em nada. Daqui a pouco, esquecemos tudo, como todo esquecimento. Quantas vezes ouvimos alguém dizer que não sabia de nada? Que tudo não passava de intriga da oposição. Mas que oposição? Se na calada da noite ou ao sol do meio-dia todos os gatos são pardos.

Ladrão que rouba ladrão tem cem anos de paredão! Quantos anos de paredão deveria pegar um político ladrão que rouba um povo honesto e trabalhador como o brasileiro? O povo também é ladrão? Político-ladrão é o binômio que se ouve na voz rouca das multidões. Mas por que um povo honesto e trabalhador como o brasileiro elege tantos ladrões? Vamos devagar com o andor. Os nossos representantes são ladrões de um povo honesto? ou o povo é desonesto e por isso elege os corruptos? Qual das opções você escolhe, meu leitor, meu irmão? Claro, claro, claro, nem todos os políticos usam e abusam do que não lhes pertencem. Claro, claro, claro, conheço políticos probos, dignos e sérios. No século XIX no Brasil havia dois partidos: os liberais e os conservadores. Alguém chegou a dizer que não havia nada mais de conservador do que um liberal no Governo, da mesma forma que não havia ninguém mais oposicionista do que um conservador na oposição. Ou seja: todo governista é otimista. Toda oposição é pessimista. Para os primeiros, vivemos no melhor dos mundos. Para os últimos, vivemos numa terra arrasada. Portanto, vamos abrir a caixa de Pandora do Governo e da Oposição. Certamente, nem a esperança encontrará ali mais abrigo.

Mas o Grande Ladrão ninguém conhece. Conhecemos os afoitos. Aqueles que tem inveja do ladrão desconhecido sobre a cabeça ou o túmulo dos quais os governantes de todo o mundo prestam homenagens com flores e tiros de canhão. Sim, o ladrão desconhecido. Sim, aquele que rouba a nossa consciência, aquele que entra virtualmente em nossa casa, aquele que embala a nossa fantasia enquanto nos divertimos. Seria a cultura um modo de não enxergar o Grande Ladrão? De fato, a cultura engrandece a nossa alma, mas também pode ser usada para entorpecer os nossos corações. Há uma diferença entre o oficial e o real. O oficial é isso: sou inocente até que se prove o contrário, apesar das imagens que falam por si, é verdade, as imagens falam por si, sim, senhor, presidente, senhor governador. Como não? Por muito menos se prende um ladrão de galinhas ou por um pote de manteiga uma mulher grávida amarga três meses sem nenhum julgamento. O real é isso: não conhecemos o Grande Ladrão, o Ladrão Universal, Wall Street, aquele que se faz passar por cordeiro, aquele que se faz de eterna vítima, de coitadinho, quando na realidade é rico, vive com as burras cheias, inclusive de ódios e de separações, de muros que se criam a toda hora, para que ninguém possa ver no horizonte o Grande Ladrão.

Quem será o ladrão do ano? Vou esperar ansiosamente por este espetáculo. Câmaras, luz, ação. Eis que surge o ladrão do ano, para o aplauso de todos. Vamos homenageá-los com medalhas e diplomas, vamos soltar fogos de artifícios pelo céu azul e anil, vamos brindar com a melhor taça a entrada triunfal do ladrão do ano em nossas casas.

Bem, já que estamos perto do Natal e do Ano Novo, que tal perdoar os nossos ladrões? Perdoar colocando-os na cadeia. Faço um apelo: vamos colocar um tapete vermelho para os nossos amados ladrões em cada corredor, em cada cela. Eles merecem. Nós, não. Somos apenas espelho de enganos, teatro de inverdades, possuidores de horas minguadas, gazua descartável do reino da sacanagem oficial, do que nunca se emenda, como se tomando pouco se rouba mais do que tomando muito; dos ladrões que nos roubam e ainda acreditam que não devem nada a ninguém, que se escondem atrás das leis, da imunidade parlamentar, de gravatas importadas, de ternos de fino trato, de mulheres escandalosamente lindas que se enroscam aos que furtam com as unhas disfarçadas. E o que é pior, ainda prestamos divindade ao vício e não à virtude. Belo e contínuo vício. Ao que parece, esta deformidade vai perdurar pelos séculos, porque a ciência de furtar é coisa de nobre, e somente pensando assim, continuamos a prestar as mais dignas homenagens a quem nos engana.

Chico Castro - Brasília/08/12/2009

domingo, 4 de julho de 2010

O DIABO VESTE A TIRANIA DA MODA


Acabei de assistir, aliás com muito atraso, ao filme O Diabo Veste Prada, do diretor David Frankel, (o mesmo de Sex and the City), baseado no romance homônimo do badalado jornalista Lauren Weisenberg. Confesso que a princípio relutei em ligar o DVD (tenho preguiça de sair de casa para ficar no escurinho do cinema) para ver o registro sobre o alto mundo da moda. Nada de preconceito sobre moda. Moda é arte, já dizia Roland Barthes, em ensaio famoso, no final dos anos 50. A minha relutância inicial, é ranço ou mania preconceituosa de quem, desde os anos 70, se acostumou com o melhor da cinematografia cult. Mas o meu reconhecimento pela criação magistral de Frankel se fez sentir logo no início.Só esqueci de fazer a pipoca no microondas e trazer o guaraná para sala da TV.

O filme conta à história de Miranda Priestly (Meryl Streep), uma tirana diretora de uma grande revista de moda. Depois de contratar várias moças para ser sua assistente, a todo-poderosa senhora do universo fashion, se vê às voltas com uma nova empregada, a jovem Andy Sachs (Anne Hathaway) que entendia tanto do assunto quanto eu da complicada Teoria da Incerteza, do físico alemão Heisenberg. Tinha, portanto tudo para não dar certo, mas acabou dando, pelo menos até quando resolveu, no final do filme, jogar uma carreira promissora para voltar aos braços do namorado, um simples cozinheiro de um restaurante para grã-finos em Nova York.

Do ponto de vista do roteiro o tema da comédia é simples. Uma moça bonita que tinha pretensões de ser uma jornalista bem-sucedida, acaba indo trabalhar num lugar onde a regra é o total afastamento dos mais puros sentimentos humanos. Mesmo porque, justifica um dos colegas, ela estava num lugar onde “um milhão de garotas morreria para conseguir”. Ao assumir a nova função, Andy tem, logo no começo, que desfazer-se de suas roupas, muito cafonas para o ambiente onde a moda evolui conforme as circunstâncias de um fabuloso mercado globalizado. Desajeitada, tudo no começo foi um desencontro, até que um belo dia, um dos encarregados dos grandes lançamentos, troca o figurino da estreante. Daí a razão do enredo do filme.Muda-se a roupa, transmuta-se a personalidade, sugere o inteligente diretor.

Da indumentária simples que vestia anteriormente, próprias de uma estudante recém-saída da faculdade, passa a usar peças da alta costura internacional. Até aí, tudo bem. Mas à medida que a diretora aprova o seu trabalho na proporção em que se veste adequadamente, a assistente começa a despir-se literalmente de seus sentimentos com a família, os amigos e o namorado. Uma bela metáfora capaz de mostrar como o trabalho sem fronteiras e excessivamente massacrante pode levar uma pessoa “normal” a despersonalizar-se e viver como um robô em função das demandas que o mundo das aparências exige como condição primordial.

O filme apresenta o glamour e a futilidade de uma parte privilegiada do misterioso nicho feminino. Glamour para os agentes envolvidos em desfiles, festas vips e viagens a lugares maravilhosos. E futilidade para muitos misturada com pitadas de inveja para outros que não podem, e provavelmente nunca terão, as condições necessárias de ter acesso a roupas, bolsas e outros acessórios que fazem a fantasia de milhões de mulheres em todo mundo. No fundo, o diretor mostra como a tirania e o sadismo se manifestam até em pequenos detalhes mesmo num ambiente em que aparentemente tudo é brilho e purpurina. Chega de soldados nazistas humilhando judeus miseráveis nos campos de concentração. Pois a obsessiva Miranda, vivendo no “inocente” encantamento da moda, pode muito bem fazer o mesmo trabalho sujo dos carrascos do III Reich.

O diretor sinaliza para três questões fundamentais da contemporaneidade: o trabalho, o sucesso e o amor. No primeiro caso, indica um tremendo paradoxo de uma sociedade que se moderniza na mesma velocidade em que diminui a geração de empregos, notadamente nos grandes centros urbanos. Milhares de jovens saem das universidades ou cursos técnicos sem saber ao certo se entrarão no cada vez mais competitivo mercado de trabalho. Se formam num determinado curso por eles vocacionado, mas terminam indo trabalhar num lugar completamente diferente da pretensão original. O choque entre o desejo de ser feliz e a dura realidade de um emprego extemporâneo faz nascer a sensação de que para tornar-se vitorioso é indispensável matar-se a si próprio ou passar por cima de tudo ou de todos.

A sociedade do espetáculo em que vivemos faz do sucesso a qualquer custo uma questão de honra pessoal. Nem que para isso seja preciso vender a alma ao diabo. As pessoas que se metem nesse imbróglio para alcançar os seus objetivos executam ou são levadas a praticar atos ou ações que em outras circunstâncias seriam perfeitamente descartáveis. É caso de Andy que se vê forçada a ir a Paris no lugar da amiga. Algo do mundo ficção repetido milhares de vezes na vida cotidiana. Mesmo sem querer, a assistente se vê na obrigação de comunicar para a colega de trabalho uma decisão que veio dos altos escalões da empresa. É o velho clichê: mana quem pode, obedece que tem juízo. O difícil foi convencer a outra de que ela não tinha nada a ver as decisões da magnética e autoritária Miranda.

Por fim, o amor. Andy ao se ver cada vez mais despersonalizada pelo trabalho extenuante e neurótico, esbarra-se com as pretensões apaixonadas do namorado. Então, numa grande recepção na capital francesa joga tudo para o alto, no auge da festa programada por Miranda, para voltar impetuosa e arrependida aos braços do rapaz, que ficara em Nova York.Ela tenta e consegue recuperar o amor quase perdido em função do tempo que gastou trabalhando por dinheiro no fascinante mercado da moda. Uma comédia romântica, portanto, em que uma pessoa ao se ver desumanizada, pode trocar o poder por uma vida simples desde que seja temperada pelo velho e sempre eterno sentimento amoroso.No final do filme,disfarcei para engolir uma lágrima.

Uma pequena estória em que o amor vence a tirania. Há muitas pessoas aqui de Brasília e em todo lugar que se comportam como Miranda, a personagem brilhantemente interpretada por Meryl Streep. Ao chegar ao poder, não interessa se militar, civil, ou um belo cargo comissionado do Governo Federal, um ex- Zé Ninguém passa a tratar os subordinados com mais autoritarismo e ferocidade, do que os seus antigos opressores.Quase todo mundo enlouquece com o poder. Dizem que é afrodisíaco. Acho que é, se se levar em conta o que disse uma velha raposa da política brasileira: “Política é namoro entre homens.”

Mas uma coisa é certa: o poder sabe criar dragões com cara de anjos. Parece que para chegar lá, com certeza, é preciso ter a consciência da linha demarcatória que separa o sentimento da razão. Porque, assim como no mundo da moda, o poder vive à custa das aparências, e que se danem aqueles que teimam em revelar a sombra que se oculta por detrás dos flashes e dos sorrisos.

Chico Castro – Brasília/2006

sábado, 3 de julho de 2010

SEM NOME

não é mais a esperança
que embala o meu coração
nem a dor, nem a tristeza.

repito e trepido mais uma vez
vivo na cola da magia
pelo atalho que conduz à lucidez

forasteiro de mim mesmo
a refeição posta à mesa
com é linda antes de comê-la!

conto nos dedos as sílabas do desejo
conto na língua as interjeições da alegria
o olhar caindo sobre os galhos do arvoredo

o azul cobre todo o céu
cá embaixo o amor resiste
até quando, meu DEUS,
 ninguém ainda me disse.

Chico Castro - Teresina/1994

segunda-feira, 28 de junho de 2010

QUEM TEM MEDO DE CAPITU?


Franzino, mulato, gago, epiléptico, vendedor de pirulito. O leitor pode imaginar que se trata de uma das sete milhões de crianças abandonadas do Brasil. Ledo engano. Estou falando do escritor Joaquim Maria Machado de Assis, nascido no Morro do Livramento, no Rio de Janeiro em 1839, e falecido na mesma cidade em 1908.

A infância foi marcada pela pobreza. Perdeu a mãe quando tinha dez anos, sendo criado pela segunda mulher de seu pai, a lavadeira Maria Inês. O genitor era um simples pintor de paredes.

Machado de Assis foi sacristão na Igreja da Lampadosa. Aprendeu francês com o padeiro Gallot. Depois, foi trabalhar como revisor e caixeiro na Imprensa Nacional, à época dirigida pelo escritor Manuel Antônio de Almeida, autor da imortal obra Memórias de um Sargento de Milícias, hoje um clássico na literatura de Língua Portuguesa.

Em 1869 casou-se com a portuguesa Carolina Augusta Xavier de Novais, senhora de fino trato, rica e culta, que introduziu verticalmente o futuro inventor do romance nacional, à leitura dos escritores renomados da literatura portuguesa e inglesa. O casamento de Machado com Carolina durou 35 anos, interrompido pela morte da esposa em 1904, no mesmo ano em que publicava o monumental romance Esaú e Jacó.

Machado continua sendo o maior escritor brasileiro, mesmo depois de 100 anos de seu falecimento comemorado em todo país em 2008. Aos 15 anos publicara seu primeiro poema, Ela, no jornal A Marmota Fluminense. Os críticos costumam dizer que se não fosse a segunda parte de sua obra romancística, que compreende Brás Cubas (1881), Quincas Borba (1891), Dom Casmurro (1900), Esaú e Jacó (1904) e Memorial de Aires (1908), ele não teria alcançado o prestígio de ter sido reconhecido ainda em vida como a maior expressão da Literatura Brasileira.

108 anos depois de sua publicação, Dom Casmurro continua sendo o seu romance mais emblemático. Eis um pequeno resumo: Bentinho, personagem principal, narra a sua história com Capitu, sua amiga de infância e primeira namorada, posteriormente esposa. Capitu tem uma amiga, Sancha. Bentinho vai para o seminário cumprir uma promessa da mãe, mesmo não tendo vocação e sentindo-se cada vez mais atraído por Capitu. No seminário ele conhece Escobar e os dois ficam muito amigos. Ambos terminam por abandonar o sacerdócio. Bentinho casa-se com Capitu e Escobar com Sancha.

Para alegria do casal, Capitu fica grávida nascendo-lhe Ezequiel. Uma tragédia, porém, vem para quebrar a alegria dos dois casais: Escobar morre afogado no mar. No velório, Bentinho nota que Capitu sofre mais do que Sancha, embora use o artifício do disfarçe. Surgem então no coração de Bentinho os ciúmes, as dúvidas sobre um possível relacionamento entre Capitu e Escobar. Observando o filho, Bentinho vê semelhanças entre o filho e o amigo morto. Sofre calado, pensa em matar os dois, e depois se matar.

Quando a angústia guardada chega ao ponto máximo, fala com a esposa sobre as suas amargas apreensões. Capitu ouve a acusação, mas não nega nem confirma. Capitu vai para a Europa e Bentinho fica sozinho, amargando a solidão, os ciúmes e a descrença no ser humano. Capitu morre algum tempo depois. Ezequiel volta, já moço, com a idéia de fazer uma expedição à Grécia, ao Egito e à Palestina. Bentinho não somente o incentiva como também o ajuda financeiramente. Nova tragédia:Ezequiel morre durante a expedição. A história vai sendo contada até o fim por um narrado já velho, que resolve atar as pontas da vida, revivendo a infância, a adolescência e o fracassado casamento com uma mulher supostamente infiel. Antes de pensar num caso amoroso entre Capitu e Escobar, creio eu que Bentinho era verdadeiramente apaixonado por Escobar e não propriamente por Capitu! É um exemplo de veadagem implícita pouco estudada pelos críticos do Brasil e do exterior.

Esta história simples de uma traição (pelo menos na cabeça de Bentinho) revela, no entanto, vários aspectos da condição humana: o humor, a crítica mordaz aos costumes (Machado era um excelente observador do cotidiano no que ele tem de mais profundo e banal) e a vida da sociedade brasileira do II Reinado, marcada por uma microfísica familiar baseada na tradição católica brasileira. O universo narrado por Bentinho, historicamente, compreende o período entre 1857, quando de fato começa a narrativa, e os primeiros acontecimentos pertinentes à fase posterior à Proclamação da República, para muitos um golpe de Estado ao qual o povo brasileiro não teve qualquer participação. Para quem não sabe, Machado, um convicto monarquista, conservava o retrato de D. Pedro II em seu gabinete no ministério onde trabalhava, mesmo depois do dia 15 de novembro de 1889!

O ambiente narrado pelo Bruxo do Cosme Velho se instaura marcado por uma profunda contradição: de um lado, um certo liberalismo político, e do outro, a presença de uma sociedade injusta e desigual, fortemente selada por uma escravidão secular. Em 1850, o Brasil contava com cerca de 2,5 (outros pesquisadores afirmam que o número era bem maior, visto não ter um censo seguro) milhões de cativos que amargavam um trabalho pesado no campo e na cidade.Assim, podia-se ver na Corte carruagens reluzentes, festas monumentais e uma corrida desenfreada pela compra de ações, que acabou por elevar o número de ricos para patamares consideráveis (como é o caso do personagem Santos, do romance Esaú e Jacó), enquanto a gentalha perambulava pelas ruas sujas e tortas do Rio de Janeiro.

A classe média brasileira, o empreguismo à solta, os novos métodos e técnicas para a agricultura, o crescimento das cidades, o desenvolvimento do comércio e o aparecimento de profissionais liberais são frutos do II Reinado. O Barão de Mauá, o primeiro grande capitalista brasileiro, engendrou a fundição de ferro, a construção naval, a criação de transportes fluviais, a iluminação pública, o que o levou a ser considerado no século XX o criador da indústria brasileira.

É desse caldeirão social que Machado de Assis se alimenta e fomenta os seus personagens. Dom Casmurro é o maior intérprete de sua própria agonia e dos espasmos finais do II Reinado. O escritor se coloca como a interface de um período que chegava ao fim, e de outro que começava, a República, que trazia em seu bojo as contradições incrivelmente ainda não completamente saneadas, mesmo depois de mais um século de seu advento.

No século XIX, como ainda hoje se perpetua no século XXI, as decisões vinham sempre de cima. No caso do II Reinado, o comando originava-se do Poder Moderador, representado por D. Pedro II. Este escolhia o presidente do Conselho de Ministros que, por seu turno, convocava as eleições, em geral, fraudulentas (como foram quase todas as eleições no período republicano), para conduzir os donos da terra ou os seus representantes ao poder legislativo (a Câmara dos Deputados), já que os senadores não eram eleitos, mas elevados à cadeira senatorial por escolha pessoal do velho monarca.

Machado é a ponte entre o Brasil agrário e urbano, reacionário e moderno. Se escrevesse em inglês seria mais famoso do que Shakespeare. Por não ser uma língua imperialista, o Português amarga a eterna desventura de viver na solidão em relação ao concerto das grandes Nações. Ainda não ganhamos nenhum Nobel de Literatura. Mas, para um país como o nosso que, em 1890 , tinha uma população calculada em 10 milhões de habitantes, da qual 84% não sabia ler nem escrever, ter um Machado era uma redenção e uma glória, pois ele foi, na minha modesta opinião, o verdadeiro criador do gosto pela leitura no Brasil. Que o diga José de Alencar.

Chico Castro

*Originalmente este artigo foi publicado no jornal Diário do Povo, em 1988 para comemorar os 80 anos de morte da Machado de Assis e republicado no mesmo jornal, em 2008 para comemorar o centenário de morte do autor de Dom Casmurro.

sábado, 26 de junho de 2010

QUANDO

Quando o Brasil não tiver mais ladrão
E toda gente puder andar pela rua
Quando a verdade já não for mentira pura
E eu poder dançar com você pelo salão.

Quando a dona de casa for ao supermercado
E não arregalar os olhos com os números da inflação
Quando eu puder pegar enfim na sua mão
E eu não sentir mais o coração tão apertado

Quando o governo deixar de mandar recado
E dizer ao povo que ele mesmo é o patrão
Quando os políticos deixarem de tanta enrolação

E o bailarino puder mostrar o seu sapateado
Quando o coração do amante for sacramentado
Isso é mourão cantado, isso é cantar mourão.

Chico Castro

sexta-feira, 25 de junho de 2010

HOJE, 25/06/2010, CASTELLINHO FARIA 90 ANOS


                                                                              Castellinho no Porto das Barcas

Paeslandim, Castellinho, Alvaro Pacheco e Arnaldo Niskier
       
     Castellinho na Sorveteria Araújo                 João Condé e Castellinho

                O jornalista Carlos Castello Branco em visita ao litoral piauiense, no período de 22 a 24 de janeiro de 1993. Castellinho, veio a falececer meses depois. Acervo de Enéas Barros.


Castello, Castellinho, Castellão

Escrevo este texto em memória do jornalista Carlos Castello Branco, exemplo único do melhor jornalismo político do Brasil. Prestou, durante mais de 40 anos, um serviço de informação de primeira linha, marcado pela isenção e pela ética jornalísticas, atualmente qualidades pouco comuns no exercício da profissão. A Coluna do Castello no Jornal do Brasil sintetizou por 30 anos a história contemporânea do país,e era lida logo no café da manhã, por políticos e intelectuais independentemente de coloração partidária ou tendência artística. Ele nasceu em Teresina a 25 de junho de 1920, filho de Cristino Castelo Branco e de Dulcila Santana Castelo Branco.

No tempo em que a diáspora brasileira era mais evidente – nos anos 20 do século passado, mais de 80% da população morava no campo e o restante nas cidades, e hoje se verifica exatamente o contrário – Castello saiu do antigo Liceu Piauiense (antes fez o curso primário no Grupo Escolar Teodoro Pacheco) para buscar novos ares, ou melhor, em busca de um lugar ao sol, primeiro em Belo Horizonte, depois Rio de Janeiro e Brasília. Contava apenas 16 anos de idade quando partiu para a capital mineira. Ainda em Teresina já era apaixonado pelo jornalismo e pelos livros, segundo o depoimento de seu amigo e colega de Liceu, Abdias Silva, que o chamava pelo apelido de Pixote. Sua estréia literária deu-se num catálogo telefônico da capital com a crônica “Teresina na distância”.

Viveu em Belo Horizonte de 1937 a 1945 e ali formou-se em Direito. No início da carreira, foi repórter policial. Aprendeu na grei do jornalismo policialesco, que depois foi aprimorado no jornalismo político, que o que se pode dizer em duas palavras, não se gasta cinco, como lembrou certa vez sua mulher Élvia Castello Branco Lordello, também já falecida, em entrevista concedida depois das homenagens póstumas que o Senado Federal fez ao marido.

Em Belo Horizonte conviveu com pessoas do porte do poeta Emílio Moura que, para Carlos Drummond de Andrade, era o poeta de máxima importância para a lírica modernista tupiniquim, além, é claro, de escritores como Fernando Sabino, Paulo Mendes Campos e Otto Lara Resende, a fina flor da cultura brasileira que se consagrou desde os anos 50 até os nossos dias. De Belo Horizonte foi levado ao Rio de Janeiro pelas mãos poderosas e posteriormente udenistas de Carlos Lacerda e por Assis Chateaubriand, na época, o magnata da imprensa brasileira.

O ambiente mineiro não era apenas cultural. Latejava o sentimento da verve política. Juscelino Kubischek, prefeito indicado pelo interventor Benedito Valadares, nos estertores da ditadura de Vargas, motivou, creio eu, pela sua cativante idéia de modernização, a que jovens pretendentes à vida pública, desfraldassem a bandeira da redemocratização do país, conhecido como o Manifesto dos Mineiros de 1943, movimento liderado por Pedro Aleixo, Milton Campos, José Magalhães Pinto, Adauto Lúcio Cardoso, Afonso Arinos de Melo Franco e tantos outros.

Da mesma estirpe festeira de JK, nos tempos de Belo Horizonte, o jovem piauiense foi também um pé de valsa. Como disse o amigo e jornalista Wilson Figueiredo nessas horas o “Castelinho deixava a timidez e se esbaldava em coreografias”. Mas nunca abandonou o hábito da leitura. Machado de Assis, Balzac e Proust, em língua francesa, eram autores habituais, afora o imortalizado prazer pelo trabalho na redação de O Estado de Minas e depois no Diário da Tarde.

Naquela época, O Estado de Minas só tinha uma máquina de escrever na redação. Castello, excelente datilógrafo, curso que aprendera com maestria ainda em Teresina, não se incomodava. Ficava acompanhando o noticiário da II Guerra pelo rádio, enquanto os jornalistas mais velhos, disputavam a tapas o único objeto de desejo da exígua sala de redação. Por sua influência conseguiu o primeiro emprego para Autran Dourado, e já no Rio de Janeiro, fez com que o mesmo ingressasse como advogado no antigo Departamento de Estradas e Rodagens. Mas Castello notou que o jornalismo não era a praia de Dourado e sim a literatura. Estava certo.

No Rio de Janeiro Castello combateu a ditadura Vargas. Mesmo sem ter filiação partidária, se inclinava para a banda de música da UDN. Depois da política, seu grande amor foi Élvia Lordello, baiana de Nazaré das Farinhas, jornalista, advogada, juíza do Trabalho, Procuradora-Geral do Tribunal de Contas de Brasília e Ministra do Tribunal de Contas da União, indicada pelo Presidente da República José Sarney. Quando deu ao marido a notícia da nomeação, recebeu o seguinte comentário: “Parabéns, para quem veio de Nazaré das Farinhas, é um belo fim de carreira.”

Dona Élvia esteve várias vezes em Teresina. Numa delas, na inauguração do busto em homenagem a Castellinho, em Teresina, evento idealizado pelo então prefeito Wall Ferraz, em 1993,prestou honras ao companheiro de 44 anos, saudando-o como um profeta dos acontecimentos políticos da Nação. E em outra ocasião especial, pelo menos para mim, quando me prestigiou no lançamento do meu livro A Guerra do Jenipapo, lançado em 2003, no Clube dos Diários. Sempre mantivemos longa e sincera amizade, quer nos encontros casuais em Brasília, quer em seu apartamento no Leblon, no Rio de Janeiro, onde entre um copo de whisky e uma água de coco, mantivemos longas conversas sobre diversos assuntos, inclusive sobre seu enlace com Castello, que ela, a princípio, não queria se casar de jeito nenhum.

Élvia me contou que conheceu Castello na redação do jornal Diário Carioca. Ele chefe de redação e ela uma iniciante e intrépida jornalista vinda do interior da Bahia e que morava numa pensão na Cidade Maravilhosa. No lugar onde residia, passou a receber muitas flores sem saber quem era o desconhecido apaixonado. Até que Castello criou coragem e a pediu em casamento.”Não pense que vou lavar e passar sua roupa, arrumar casa, fazer comidinha e docinhos, arrumar a roupa que você vai vestir no dia seguinte”, disse ao futuro marido. Ao que este lhe respondeu: “E quem lhe disse que estou procurando uma empregada doméstica? Procuro uma companheira e esta é você”, arrematou. O padrinho de casamento foi Expedito Resende, embaixador do Brasil no Vaticano.

Castello entrou para a Academia Brasileira de Letras como jornalista e não como escritor, como disse no seu discurso de posse. Foi saudado pelo acadêmico José Sarney que lhe respondeu que ele entrava naquele sodalício como escritor, sim, sem deixar de ser jornalista. “No vosso caso, Sr. Carlos Castello Branco, o jornalismo, além de atividade dominante, tem uma feição especial, a do jornalismo político. E o que é o jornalismo político? É o político que fez do jornalismo a sua tribuna.”, enalteceu Sarney. Como escritor publicou os seguintes livros: Continhos brasileiros, 1952; Arco do Triunfo, romance, 1958; Idos de março, depoimento político, em colaboração, 1964; Introdução à Revolução de 1964, seleção de suas colunas, 2v, 1976; Os Militares no Poder, seleção de suas colunas, 3v, 1976-1979; Retratos e fatos da história recente, obra póstuma sobre personagens da política brasileira, 1994; e a Renúncia de Jânio, obra póstuma, 1996.

Numa de suas últimas viagens à terra natal, revelou para um grupo de amigos que o presidente Humberto de Alencar Castelo Branco nasceu em Teresina e não no Ceará. Um dos acontecimentos mais espetaculares de sua vida, foi a renúncia de Jânio Quadros, em 25 de agosto de 1961, do qual era secretário de Imprensa. Tenho comigo a carta-renúncia escrita à mão e depois datilografada que eu mandei, há algum tempo, para o jornalista Kenard Kruel. Ele deve ter perdido. Um verdadeiro documento da história do Brasil, pelo cinismo e pela singeleza. Na verdade, Jânio deu uma de joão-sem braço. Pediu a renúncia para voltar como vítima para o Palácio do Planalto. O tiro saiu pela culatra. Perdeu a Presidência e a vergonha colocando o país três anos mais tarde no buraco negro da ditadura militar.

Carlos Castello Branco morreu no dia 01 de junho de 1993, aos 72 anos. Foi jornalista de três constituições, a de 1946, 1967 e 1988. Exerceu a profissão ao longo do mandato de 13 presidentes da República e durante 31 anos redigiu a famosa Coluna do Castello no Jornal do Brasil. Após sua morte, disse o ex-presidente Collor de Mello: “E agora, por onde vou começar a ler os jornais”?

Na minha modesta opinião não existe mais jornalismo político no Brasil, mas jornalistas que escrevem sobre política. A prova é que nunca mais, pelo menos no Jornal do Brasil, que acabou virando um tablóide, ninguém ocupou mais o lugar de Castello, Castellinho, Castellão.

Chico Castro

Fonte: Francelino Pereira, Castelinho, o reinventor do jornalismo político no Brasil, Editora do Senado, Brasília, 2001.

terça-feira, 22 de junho de 2010

O MAPA DO PIAUÍ NA HISTÓRIA DO BRASIL



Tudo no Piauí apareceu muito atrasadamente. Por isso mesmo entrou para a história como um lugar marcado pelo esquecimento. Em 1534, quando o rei d. João III criou o regime das Capitanias Hereditárias, pelo qual se fazia a concessão de terras a capitães-mores e a governadores, começava aí a verdadeira colonização da Terra de Santa Cruz. Esta divisão obedecia a um antigo projeto desenvolvido na Europa desde o século X, e consistia em privilégios nunca antes imaginados.

Todavia, o sistema de capitanias somente veio a chegar oficialmente ao território chamado de Piauí em 1758, ou seja, 224 anos depois da decisão de d. João III. Antes daquela data, funcionava a doação de terras por meio de sesmarias que, dada a extensão de incríveis áreas consignadas, só poderiam servir para o estabelecimento da pecuária. Vale dizer que o alvará de criação da Capitania é de 1718, mas a sua execução ocorreu muito tempo depois.

A presença do primeiro governador João Pereira Caldas [que assumiu o cargo a 20 de setembro de 1759] em solo piauiense veio para marcar um tipo de plano desenvolvimentista, como por exemplo, o surgimento da construção inicial dos primeiros prédios públicos, o estabelecimento da ordem, proceder a coleta de dinheiro da Fazenda, incrementar atividades militares, expandir a fé cristã, fazer cumprir a resolução imperial que ordenava a expulsão e seqüestros dos bens dos jesuítas ali residentes, o que permite estimar que os padres controlavam metade da economia piauiense. Se bem que a Carta-Régia que mandava prender e expulsar os jesuítas foi datada de  10 de abril de 1760, quando chegou ao Piauí, os religiosos já haviam sido remetidos para a Bahia, segundo a afirmação de Odiolon Nunes.A expulsão dos jesuítas do Piauí, diz-nos Monsenhor Chaves, foi incrementada pelo Marquês de Lavradio, Vice-Rei do Brasil, e não de João Pereira Caldas.

Registra assim um ilustre intelectual piauiense o valor de João Pereira Caldas:
“Ato [também] dos mais significativos e da maior repercussão na Capitania é a instalação das vilas pela Carta Régia de 19 de junho de 1761: Parnaguá, Jerumenha, Valença, Campo Maior e São João da Parnaíba.” (Brandão. 1995, p.23).

Apesar de a Capitania ter sido criada em 1758, o seu desmembramento total do Maranhão aconteceu em 1814. (UFPI, 2005,s/p.). As primeiras escolas primárias datam da segunda década do século XIX (Castro, 2002). O primeiro hospital surgiu alguns anos depois, e o Liceu Piauiense, criado por Zacarias de Góes e Vasconcelos, governador da província, apareceu na década de 40 da mesma centúria. Em 1832, aparecia O Piauiense, o primeiro jornal do Piauí; o segundo foi O Telégrafo e o terceiro O Espetro. (Filho, 1997, p.22).

O Poder Legislativo Brasileiro foi criado em 1824, mas passou a funcionar em 1826, dois anos depois de publicada a nossa primeira Constituição, em 1824. Contudo, o surgimento do Poder Legislativo no Piauí é de 1835. Vale salientar, para efeito histórico, que o Piauí não mandou representantes à Assembléia Geral Constituinte e Legislativa do Império do Brasil, em 1824, por falta de recursos em função dos altos gastos com as lutas pela Independência, dentre elas a famosa Batalha do Jenipapo.

A ausência do Piauí é relatada por Deiró em livro célebre:
“Das 19 províncias do Império [em 1823], 14 se fizeram representar, não chegando a ser escolhidos deputados pelo Piauí, Maranhão, Grão- Pará, Cisplatina e Sergipe. A bancada da Bahia, no entanto, só assumiu após 2 de julho”.

Por aquela época, a população piauiense girava em torno de 94 mil pessoas da quais, quase 40 mil era formada por escravos, o que dava uma densidade populacional de 0,3 habitantes por quilômetros quadrados. (Mendes, 1995, p.64). Como explica melhor a esse respeito o ensaísta Felipe Mendes, sobre a diferença populacional entre o Piauí e as outras províncias brasileiras em 1823:
Oeiras, [a capital imperial do Piauí] contava com 3.000 mil habitantes (...) São Luis do Maranhão tinha 25.000; Recife, então a segunda maior cidade, contava com 50.000 mil habitantes; e o Rio de Janeiro tinha 100.000.” (Mendes, 1995, p.65).

O jornalismo de idéias na terra de Mafrense, como registra Celso Pinheiro Filho, um dos primeiros a estudar a história do jornalismo piauiense, foi inaugurado por Lívio Lopes Castelo Branco (1813-1869), filho de Leonardo das Dores Castelo Branco, um dos heróis da Independência do Piauí, cujo reconhecimento só teve destaque depois da coroação de d. Pedro II. ( Filho,1997,p.35-36).


Celso Pinheiro, junto com outros integrantes da Academia Piauiense de Letras.
De pé, segundo da esquerda para a direita.

Celso Pinheiro Filho afirma ainda que Lívio Lopes teve outras aptidões, além de sua atuação na imprensa:
“ Além de inúmeras qualidades que possuía teve ainda o mérito de ser o iniciador de Deolindo Mendes da Silva Moura, nas lides da imprensa. Ainda espera uma biografia condigna a figura desse piauiense notável, inteligente, empreendedor e corajoso.”

Outra pesquisadora de igual jaez comunga da mesma opinião:

"O primeiro jornal de cunho político e doutrinário, O Liberal Piauiense, só surge após a queda [1843] do Visconde da Parnaíba. Seu redator, Lívio Lopes Castello Branco lutara, antes, contra o Visconde, na Guerra dos Balaios, ao lado dos populares e depois do conflito, decide fixar residência em Oeiras, como advogado e mais tarde como jornalista, profissão que lhe proporciona atividade intelectual intensa.” (Rego, 2001, p.51).

É de se surpreender que a Batalha do Jenipapo, episódio de cardeal importância para a compreensão da emancipação do Brasil, não tenha sido objeto de investigação em forma de livros sobre o assunto, mesmo durante o II Reinado ou nos primórdios da República. A atividade da imprensa piauiense, no II Reinado, foi caracterizada como florescente. (Rego,2001, p.49). Se a Batalha do Jenipapo foi tratada em artigos publicados em dezenas de periódicos piauienses do século XIX, nenhum pesquisador ainda tratou de averiguar.

Do mesmo modo, no plano nacional, em vista da seqüência temporal entre a Batalha do Jenipapo [13 de março de 1823] e a instalação da Assembléia Geral Constituinte e Legislativa do Império do Brasil [03 de maio de 1823], espanta saber que, entre uma data e outra, o tema não foi ventilado durante os trabalhos legislativos que se encerraram a 12 de novembro do mesmo ano, quando d. Pedro usando a força das armas ,dissolveu a primeira Constituinte Brasileira.

                Fidié
Um almirante escocês de ilustrada fama, que veio ao Brasil prestar seus serviços ao império na luta contra as forças portuguesas estacionadas na Bahia e Maranhão, escreveu depois um livro de memórias em que trata de vários episódios da vida política brasileira. Ele esteve em São Luiz um pouco depois da Batalha do Jenipapo. Em seu trabalho menciona o nome de Fidié, mas não acrescenta qualquer comentário sobre o que aconteceu em Campo Maior.
Assim, resumiu ele os acontecimentos da época:
“Recordar-se-á que depois de expulsos do Maranhão os portugueses em 1823, somas consideráveis em dinheiro e obrigações haviam sido tomadas no tesouro, na alfândega, e em outras repartições públicas, juntamente com abastecimento militares e outros – e o valor disto, bem que garantido por Sua Majestade Imperial [d. Pedro I] aos tomadores, havia, por consentimento de oficiais e marinhagem, sido temporariamente emprestado ao Governo então provisório, para o duplo fim de satisfazer as tropas amotinadas do Ceará e do Piauí, e continuar as funções ordinárias do Governo – não havendo outros fundos de servir-se.” (Cochrane, 2003, p.200).

Assim, do mesmo jeito que não há pesquisa em jornais piauienses de 1840 a 1889 focalizando a Batalha do Jenipapo, também não existem informações de que estudiosos tenham se debruçado sobre os Anais da Câmara dos Deputados, nem do Senado Federal, para trazer ao círculo de estudos históricos tão palpitante acontecimento.

Por incrível que possa parecer, o primeiro livro de que se tem notícia sobre a Batalha do Jenipapo apareceu em Lisboa em 1850, escrito justamente por Fidíe, e que quase 100 anos depois, surgiu a segunda edição lançada sob os auspícios do Governo do Estado, por intermédio do Arquivo Público e Museu Histórico do Estado.

Somente no século XX apareceram os primeiros livros tratando sobre a Batalha do Jenipapo. Abdias Neves, Odilon Nunes, Wilson Brandão, Mons. Chaves, Júlio Romão da Silva, Claudete Dias, Renato Neves e eu.


Embora o meu livro A Guerra do Jenipapo, seja um paradidático, lançado pela Editora FTD, de São Paulo, 2002, a repercussão na mídia nacional fez surgir um interesse maior por parte de pesquisadores e da imprensa.

De fato, lançado em Brasília, na Embaixada de Portugal, em março de 2003, ganhou notoriedade ao ser pautado pela revista Veja, jornal o Globo, jornal do Brasil, Correio Braziliense, além de dezenas de outros jornais e portais eletrônicos de vários estados brasileiros e no exterior. O lançamento contou com a presença do Vice-Presidente da República, José Alencar, ministros de estado, embaixadores, intelectuais e pesquisadores.

A solenidade, organizado pelo setor de educação e cultura do serviço diplomático português, coincidiu com os 180 anos da Batalha do Jenipapo. Na ocasião, fui homenageado pelo Governo do Estado do Piauí, com a Ordem Estadual do Mérito Renascença, que é a maior condecoração que o Estado do Piauí oferece a quem se destaca pelos relevantes serviços prestados à terra de Mafrense. A embaixada também abriu um espaço para uma exposição chamada “Piauí Terra Querida”, organizada por Fátima de Deus.

Outro site teresinense publicou uma matéria, da qual publicamos um pequeno resumo:
“Dia 13 de março, 19 horas, na Embaixada de Portugal, ocorre o lançamento do livro “A Guerra do Jenipapo” (...) O trabalho foi desenvolvido a partir de 1987, quando o autor encontrou um volume do livro “Vária Fortuna de um Soldado Português, de autoria do brigadeiro João José da Cunha Fidié. O militar, (...) que veio para o Piauí em 1822 a fim de garantir à Portugal uma colônia no norte do Brasil, era também o comandante das tropas portuguesas na Batalha do Jenipapo.” (Debate/Portal de Notícias, Teresina, 2003, p.1).

Um site de grande prestígio nacional abriu espaço para o seguinte comentário:
O entrave entre brasileiros e portugueses (...) ocorrido às margens do Riacho do Jenipapo, do escritor Chico Castro, da Editora FTD, será lançado na Embaixada de Portugal (...) O livro mistura história do Brasil e do Piauí e acrescenta mapas do século, gravuras de heróis piauienses, fotografias atuais do riacho e do monumento e um poema de Carlos Drummond de Andrade, que homenageou os independentes no seu livro O Fazendeiro do Ar.” (Brasil Agora/Tempo Real, Brasília,2003, s/p).

A grande imprensa brasileira deu destaque ao lançamento do livro em Brasília:
“Pouca gente sabe, mas os piauienses lutaram a ferro e fogo pela sua independência. Essa história, que ficou conhecida como A Guerra do Jenipapo, está relatada ineditamente no livro homônimo do jornalista Chico Castro que será lançado amanhã, às 19h, na Embaixada de Portugal. A batalha aconteceu há 180 anos, no município de Campo Maior, a 85 km de Teresina, quando um grupo de nordestinos enfrentou o exército português pela independência do Norte do Brasil.” (Jornal do Brasil, Caderno Brasília, 12 de março de 2003, B-4).

Com uma chamada intitulada “Rebeldes do Jenipapo”, um jornal de maior circulação na região Centro-Oeste, assim se manifestou:
“É no entroncamento da história com a poesia que Chico Castro decidiu contar A Guerra do Jenipapo (...) ela mescla a pesquisa histórica, esclarecendo muitos aspectos do episódio ainda pouco estudado, com poemas autores que se inspiraram na batalha, como Carlos Drummond de Andrade, Carlos Nejar e Herculano Moraes. A obra será lançada hoje, às 20 hoas, na Embaixada de Portugal”. (Graça Ramos, Correio Brasiliense, Seção Livros, 13 de março de 2003, p.8).

No dia 12 de março, uma sessão da Câmara dos Deputados, sob a presidência do deputado João Paulo Cunha, foi anunciada a realização, pela Casa, de sessão solene em homenagem ao transcurso da data:
“Aproveito a oportunidade para informar à Deputada Francisca Trindade e ao Estado do Piauí que ficou definido que esta Casa realizará, no dia 14, sessão solene em homenagem aos 180 anos da Batalha do Jenipapo, evento que foi fundamental, conforme nos ensinou na tarde de hoje o Deputado Aldo Rebelo, para a consolidação da independência do Brasil na região Norte. Essa data tem significado especial para os piauienses.” (Câmara dos Deputados, Brasília, 2003. p.268.).

Na Sessão Ordinária de 13 de março de 2003, a deputada Francisca Trindade fez o seguinte anúncio:
"Sr. Presidente, quero registrar em primeiro lugar que logo mais, às 19horas, na Embaixada de Portugal, acontecerá importante evento para nós, piauienses: uma homenagem à Batalha do Jenipapo. Lá estarão presentes o Vice-Presidente da República, o Governador Wellington Dias,o Ministro da Cultura, além de vários Ministros de Estado. Aproveito a oportunidade para lembrar que, amanhã, a Câmara dos Deputados também realizará sessão solene em homenagem à Batalha do Jenipapo.” (Câmara dos Deputados, Brasília, 2003, p.135).

Na realidade, no dia 14 de março de 2003, um dia após o lançamento do livro A Guerra do Jenipapo na Embaixada de Portugal, a deputada federal Francisca Trindade, presidiu a sessão solene da Câmara dos Deputados.

A apresentação do REQ 265/2003, com data de apresentação de 20 de fevereiro de 2003, feita pela deputada Francisca Trindade (PT/PI), que “requer que seja realizada Sessão Solene na Câmara dos Deputados no dia 14 de março, às 10 horas, em virtude dos 180 anos da Batalha do Jenipapo”. ( Diário da Câmara dos Deputados, Brasília, 2003, p.104). O presidente, deputado Bismark Maia abriu a solenidade, depois da entrada em plenários dos convidados:
“Tenho a honra de convidar para compor a Mesa a Exmo. Sr. Governador do Estado do Piauí, Dr. Wellington Dias; a Professora Maria de Fátima Santos de Deus, coordenadora do evento 180 anos da Batalha do Jenipapo, objeto desta sessão; o ex-governador do Estado do Piauí e atualmente senador, membro deste Congresso Nacional, Mão Santa; e o Sr. Francisco das Chagas Castro, ilustre escritor, autor do livro A Guerra do Jenipapo” (Diário da Câmara dos Deputados, Brasília, 2003, p. 104).

Ao fazer uso da palavra, a deputada Francisca Trindade assim se manifestou:
“O confronto de 13 de março de 1823, hoje lembrado por esta Casa em nome do Brasil, é o acerto final entre os homens de Fidié e sua legalidade fiel, d. João VI, e os simpatizantes dos projetos de independência em voga, agindo em nome da nova legalidade imposta por Oeiras, mas também em favor de sonhos libertários outros. O que estava em jogo no leito do Jenipapo, naquela manhã de 1823, eram esses sonhos e projetos libertários, a luta pela liberdade. Não a liberdade de que falavam os chefes palacianos, não essa luta, mas a luta sob as ordens da nova concepção e do povo do Piauí, a liberdade do trabalhador, a luta das gentes contra o estado de escravidão e pela possibilidade de acessar a terra que nas repúblicas lhes ocorria que pertencessem a todos, não somente àqueles que eram inimigos do rei.” (Diário da Câmara dos Deputados, Brasília, 2003, p.106).

A deputada Francisca Trindade, assumindo a presidência no lugar do deputado Bismark Maia (PSDB/CE), concedeu-lhe a palavra:
“Da maneira como registram os acontecimentos, os livros didáticos podem fazer crer que a História do Brasil se construiu de maneira ordenada e uniforme. Na verdade, a magnitude da extensão territorial deste País jamais permitiria que assim fosse. Basta considerar que a notícia da Independência, proclamada às margens do Ipiranga em 7 de setembro de 1822, só chegaria ao Piauí no dia 30 daquele mês, o que não se admitiria nos tempos atuais de divulgação instantânea das informações.” (Diário da Câmara dos Deputados, 2003, Brasília, p.107).

A seguir, a palavra foi concedida ao senador Mão Santa (PMDB/PI), que falou sobre o evento:
“Faz-se, portanto, referência às independências do Brasil, e, atendendo ao dever de resgatar e preservar a memória exata do passado, cumpre dedicar, na historiografia nacional, o justo espaço e relevo que merece a Batalha do Jenipapo, a luta em que, reunidos sob o comando de José Rodrigues Chaves e João da Costa Alecrim, cerca de 2 mil homens despreparados militarmente, precariamente armados com paus, pedras, foices, espadas, facões, enxadas e espingardas de espoleta, enfrentaram os soldados do general português João José da Cunha Fidié.” (Diário da Câmara dos Deputados, 2003, Brasília, p. 108).

O deputado Paes Landim (PFL/PI), um dos grandes conhecedores da História do Piauí, deu o seguinte depoimento:
“É importante enfatizar a importância do Jenipapo, essa grande batalha cuja história o Piauí tenta resgatar e incorporar ao acervo do patrimônio histórico da cultura brasileira. E é muito importante, neste momento, que o Governador Wellington Dias tenha promovido, a respeito, uma grande reunião em Brasília, na sede da Embaixada de Portugal, e a deputada Francisca Trindade tenha tido a justa preocupação de inserir a luta histórica do Piauí no contexto da história nacional. Até porque os nossos grandes historiadores examinaram superficialmente esse grande acontecimento. Os principais historiadores clássicos sobre o Piauí –por coincidência todos três pernambucanos -, que são Barbosa Lima Sobrinho, (Devassamento d Piauí), Pereira da Costa (Cronologia da História do Piauí) e o Dr. Carlos Porto, (Roteiro do Piauí), passaram um pouco ao largo da Batalha do Jenipapo.”( Diário da Câmara dos Deputados, Brasília,2003, p. 354).

No decorrer da Sessão Solene também subiu à tribuna o deputado B. Sá (PPS/PI, que pronunciou o seguinte discurso:
“Pois bem, no caso de Jenipapo, no instante em que Portugal mandou para a Província do Piauí, João da Cunha Fidié para ser o seu Governador das Armas, na realidade ele estava protegendo – como bem lembrou o nobre colega Paes Landim – o que havia de mais interessante, do ponto de vista econômico, na província: o boi e o seu couro, a carnaúba, a borracha de maniçoba, da mangabeira, a farinha de mandioca, víveres de grande interesse econômico que, a partir de Parnaíba [no litoral piauiense], seguiam para os portos de Portugal e suas províncias, e assim por diante.” (Diário da Câmara dos Deputados, 2003, p.109).

Ao fim da solenidade, o Governador Wellington Dias propôs à Mesa Diretora que fosse editada pela Câmara dos Deputados uma separata com ilustrações e informações sobre a Batalha do Jenipapo, incluindo os pronunciamentos realizados na sessão, registrando a comemoração dos 180 anos da Batalha do Jenipapo na Câmara dos Deputados, na Embaixada de Portugal, sob o patrocínio do Governo do Piauí( Diário da Câmara dos Deputados, Brasília,2003, p.110).

No dia anterior à solenidade da Câmara dos Deputados em comemoração aos 180 anos da Batalha do Jenipapo, o Senado Federal também prestou homenagens ao evento. O senador Mão Santa (PMDB/PI) fez o seguinte pronunciamento, que transcrevemos uma pequena parte:
“O Piauí teve uma participação heróica na manutenção da unidade do País, por isso, quando olharem o mapa e virem esse Brasil grandioso, lembrem-se de que somente os piauienses fizeram uma batalha sangrenta pela manutenção da nossa unidade. Os baianos também o fizeram, mas em julho de 1823 [depois da Batalha do Jenipapo], e hoje o Brasil é grandioso.” (Senado Federal, Subsecretaria de Taquigrafia, Brasília, 2003, p. 2).

Em seguida, um grande jornal de circulação nacional, em face do destaque que a Câmara dos Deputados, em especial apreço, e também pelas homenagens no Senado Federal, divulgou em seu Caderno de Cultura a seguinte notícia:
"Um pequeno livro didático (...) acabou por mobilizar uma campanha nacional pró-Piauí (...) sobre a luta de resistência de piauienses maltrapilhos contra soldados do general português Fidié, durante a Guerra da Independência (...) E como (...) o episódio em Jenipapo estará completando seus 180 anos, foi esta data escolhida para o Congresso Nacional homenagear o Piauí em Brasília.” (Cecília Costa e Rachel Bertol, Jornal O Globo, Rio de Janeiro, 2003, p.5).

Devido ao consagrado acolhimento que tanto a Câmara dos Deputados quanto ao Senado dedicaram aos heróis do Jenipapo; em função da larga divulgação feita pela mídia nacional;e pela exposição sobre a cultura, o artesanato, a pintura, a música e as artes plásticas piauienses feitas nas dependências da Embaixada de Portugal em Brasília, o livro abriu a XI Bienal Internacional do Livro do Rio de Janeiro, de 15 a 27 de maio de 2003, com as presenças do então ministro da Educação, Cristóvão Buarque, e do então ministro da Cultura, Gilberto Gil.

O Jornal Meio Norte deu destaque em sua primeira página do Caderno de Cultura salientando que:
“Já Chico Castro estará autografando o seu livro “A Guerra do Jenipapo”, publicado e lançado nacionalmente pela Editora FTD, no pavilhão da Bienal, em Jacarepaguá (...) A principal tese defendida é a de que se não fosse a bravura de um contingente de piauienses, ajudados por cearenses e maranhenses, provavelmente o Brasil de hoje seria dividido em dois.” (Jornal Meio Norte, Teresina, 8 de maio de 2003, p. 1.).

Em sua XI edição, a Bienal Internacional do Livro do Rio de Janeiro, em 2003, escolheu como país homenageado a Itália. Daquele país vieram os escritores Domenico de Massi, Romano Petri e Valério Massimo Manfredini. Dos Estados Unidos veio o escritor Scott Turow. Da França, como convidada pelos seus últimos trabalhos, veio a escritora Catherine Millet. O grande destaque, porém, foi a presença do escritor anglo-indiano Salman Rushdie, que, no primeiro dia da Bienal, lançou seu livro A Fúria. Do Brasil, os destacados escritores Luís Fernando Veríssimo, Ana Maria Machado e o cartunista Miguel Paiva lançaram as suas obras, no estande ao lado em que se encontrava o escritor Chico Castro, inclusive com a presença numerosa platéia.

Dois anos depois,novamente a Câmara dos Deputados fez outra sessão solene, segundo as formalidades exigidas,pelo transcurso da data relativa à Batalha do Jenipapo, conforme anúncio feito pelo presidente da Sessão, dep. Paes Landim:
Esta Sessão solene[18 de março de 2005), requerida pelo nobre Deputado Simplício Mário, destina-se a homenagear a Batalha do Jenipapo.”(Câmara dos Deputados, 2005, p.28).

O Deputado Simplício Mário (PT/PI) fez um longo discurso do qual extraímos a seguinte trecho:
“Somente 151 anos depois da Batalha do Jenipapo [1974], o Governo do Piauí fez erigir um monumento aos mortos do Jenipapo. Localizado a 9 quilômetros da cidade de Campo Maior há um museu que abriga vestígios do episódio mais marcante da história da Independência do Brasil. Se não fosse a bravura daqueles heróis anônimos, certamente o Brasil seria dividido em duas partes distintas, sem a configuração territorial que faz da nossa Pátria um só país e sem a beleza da língua portuguesa, modificada pela exuberante criatividade do povo brasileiro.” ( Câmara dos Deputados Brasília, 2005, p. 124-125).

O deputado Alceste Almeida (PMDB/RR), distinguindo a iniciativa do Deputado Simplício Mário de tornar ainda mais conhecida a epopéia piauiense, em certo trecho do seu pronunciamento, enfatizou:
“O Piauí era, em 1823, um dos poucos Estados que não havia aderido à Independência por estar subjugado por tropas portuguesas (...) Cabe lembrar o primeiro Presidente da Província do Piauí, Manoel de Sousa Martins (...) Sousa Martins abandonou a fazenda que herdara e ingressou na política. Acabou por entregar-se à causa da independência e é reconhecido como um dos de seus sustentáculos no Nordeste brasileiro(...)
"O combatente anônimo também deve ser homenageado. Quando foi solicitada, pelo governo provisório, a preparação de um batalhão para a consolidação da independência do Piauí foram muitos os voluntários vindos de todos os cantos do sertão. Conta-se que as próprias mulheres mandavam os maridos e os irmãos para a frente de batalha. Sacrificavam-se, vendiam jóias, para que os patriotas levassem armas e munições.” (Câmara dos Deputados,Brasília, 2005, p.125-126).

O Governador do Piauí, Wellington Dias, presente à Sessão, também se manifestou:
“Portanto, o 13 de março é o início de uma batalha que só terminou em Caxias do Maranhão, quando houve a rendição de Fidié. Ali se consolidou essa grande nação(...) Queremos que o Brasil reconte a sua história.(...) Desejamos que o 13 de março seja um marco importante na história do Brasil, como são o 21 de abril e o 7 de setembro para a nossa independência.” (Câmara dos Deputados, Brasília,2005, p.127).

Na oportunidade, o Deputado Paes Landim passando a presidência da Sessão ao Deputado Simplício Mário, autor do requerimento da sessão solene, realçou que:
“Eles queriam [ os próprios representantes do Piauí nas Cortes de Lisboa em 1821, os deputados Pe. Domingos da Conceição e Miguel Borges] que as províncias continuassem a obedecer a Portugal, sobretudo as províncias do norte, entre elas, o Piauí, além do Pará, Ceará e Maranhão (...) [ o Jenipapo] foi a primeira guerrilha do Brasil, porque vaqueiros, pessoas simples, resolveram pegar em armas, resultando nesses acontecimentos dramáticos, com centenas de mortes, que todos os senhores conhecem, cuja gesta heróica está registrada no monumento do Jenipapo.” ( Câmara dos Deputados, 2005, p.40).

Após a sessão solene, o Deputado Simplício Mário, depois de fazer várias considerações sobre a importância da Batalha do Jenipapo para a consolidação da Independência do Brasil, encaminhou ao ministro da Educação, Fernando Haddad, um requerimento pedindo a inclusão da Batalha do Jenipapo, bem como os fatos a ela relacionados, na disciplina de História do Brasil ensinada nas escolas públicas brasileiras:
“Nos termos do art. 113, inciso I e parágrafo Primeiro, do Regimento da Câmara dos Deputados, requeiro a V.Exa. seja encaminhada ao Poder Executivo a Indicação em anexo, sugerindo a inclusão da Batalha do Jenipapo e os fatos a ela relacionados na disciplina de História do Brasil ensinada nas escolas públicas brasileiras.” (Câmara dos Deputados, Brasília,Sala das Sessões, em 15 de março de 2005,s/p.).

O Governador do Piauí, Wellington Dias, por meio de Ofício, n. 325, de 20 de junho de 2006, fez a mesma solicitação, considerando a importância desse acontecimento histórico, muitas vezes ignorado ou esquecido, que reflete a verdadeira história da independência brasileira e que, portanto, deve ser mais difundido e conhecido pelo povo brasileiro.(Governo do Estado do Piauí/Gabinete do Governador/ Palácio do Karnak).

Em 2007, na Sessão de 13 de março daquele ano, a Câmara dos Deputados querendo homenagear os 184 anos da Batalha do Jenipapo, fez uma sessão solene na qual o Deputado Frank Aguiar (Bloco PTB/SP),autor da Proposição:PL-968, em cuja Ementa instituía o dia 13 de março, dia da Batalha do Jenipapo, como data histórica no calendário das efemérides nacionais, fez um pronunciamento destacando que:
“O grande confronto se deu no dia 13 de março de 1823, nas proximidades do rio Jenipapo (...) Após cinco horas de intenso combate, as tropas locais contavam entre suas perdas 700 homens, entre mortos, feridos e prisioneiros de guerra (...) Entretanto, a vitória lusitana era incontestável, ganharam uma batalha, mas a guerra estava longe de terminar, pois a ausência de recursos bélicos e a possibilidade de enfrentamento de outras de outras batalhas, com a chegada de reforços de outras vilas e províncias, fez com que Fidié e sua tropa se deslocassem, em abril de 1823, para o Maranhão, província leal a Portugal.” (Câmara dos Deputados,Brasília, 2007, p.44).

No dia seguinte, no Grande Expediente da Câmara dos Deputados, o Deputado Nazareno Fonteles, pronunciou o seguinte discurso do qual extraímos o seguinte trecho:
“Sr. Presidente, sras., e srs Deputados, o povo brasileiro, ontem, 13 de março de 2007, completaram 184 anos da Batalha do Jenipapo, o mais sangrento combate em defesa da independência política do Brasil e pela consolidação do território nacional (...) O processo de independência nas outras áreas da América Portuguesa implicou cruentas batalhas, especialmente no Norte e Nordeste, regiões que faziam parte da pretensão portuguesa de perpetuar domínios no Continente.” (Câmara dos Deputados, Brasília,2007, p.45).

Na nossa pesquisa, em anos bem anteriores,verificamos ainda que a Câmara dos Deputados prestou homenagens aos 150 anos da Batalha do Jenipapo, em 1973. O Deputado Pinheiro Machado(PDS/PI) assim se pronunciou:
“Falta ainda inserir, na História do Brasil, com justo relacionamento que merece, essa página da campanha de nossa independência. Nela, os piauienses deram mostras de mais soberbo heroísmo. Com destemor quase fanático e uma coragem sem limites, depositaram na altar da Pátria, pelo ideal da Independência, o sacrifício de suas vidas.” ( Diário do Congresso Nacional, Brasília,1973, p. 23).

Na passagem dos 160 anos da Batalha do Jenipapo,10 anos depois, a Câmara dos Deputados homenageou os mortos do Jenipapo. Retiramos do discurso do Deputado Jônathas Nunes(PDS/PI) o seguinte trecho:
“Sem dúvida, com a Batalha do Jenipapo, que procedeu a derrota de Fidié em Caxias, morreram para sempre as esperanças da Corte Lusitana de criar uma colônia Portuguesa no norte do Brasil. Consolidou-se, assim, a Independência do Brasil, consolidou-se a unidade Nacional.” (Diário do Congresso Nacional, Brasília, 1983, p. 45).

Por ocasião das comemorações dos 161 anos, em 1984, data das mais importantes nas lutas pela Independência do Brasil, a Câmara dos Deputados registrou com galhardia os fastos da nossa história. O Deputado Jônathas Nunes(PDS/PI) fez o seguinte pronunciamento:
"A Independência do Brasil, proclamada em 1822, ainda não se consolidara no Norte e Nordeste. Foi justamente na Batalha do Jenipapo, que precedeu à derrota de Fidié em Caxias, que as esperanças lusitanas de domínio sobre os brasileiros se desvaneceram para sempre". (Câmara dos Deputados, 1984, p. 0199).

Nos anos de 1988 e 2000 novamente a Câmara dos Deputados fez sessões solenes para homenagear a Batalha do Jenipapo, com vários discursos em memória da data.

Rastreando O Diário do Senado Federal, encontramos na nossa pesquisa o requerimento n. 247, de 1973, do Senhor Senador Fausto Castelo Branco, solicitando nos Anais do Senado Federal, do Boletim Especial n. 6, de 06 de novembro de 1973, do Exmo. Sr. General de Divisão Theóphilo Gaspar de Oliveira, comandante da 10 Região Militar, em comemoração aos sesquicentenário da Batalha do Jenipapo, travada em Campo Maior, Estado do Piauí. (Subsecretaria de Arquivo do Senado,Senado Federal, 29 de novembro de 1973).

No Senado Federal,desde o ano de 2002, muitas referências à Batalha do Jenipapo. O senador Benício Sampaio (Bloco/PPB) registrou em plenário por achar oportuno a data:
“ ... amanhã [13 de março], pela manhã, o Estado do Piauí, numa grande cerimônia cívico-militar, homenageará os 179 anos da Batalha do Jenipapo(...) Na oportunidade, serão homenageados o Alferes Leonardo das Dores Castelo Branco [ um dos heróis da Independência do Piauí] com um busto de bronze e o senador Alberto Tavares e Silva [hoje Deputado Federal], por haver construído o monumento aos Heróis da Independência do Brasil (...) Seis meses após o Grito [ do Ipiranga], devido à grande extensão territorial, à carência dos meios de transporte e, consequentemente, à precariedade nas comunicações, bem como à pressão da Coroa [portuguesa], o norte do País continuava sob o domínio de leais portugueses (...) No dia 13 de março [ de 1823], as tropas da independência formaram, às margens do Jenipapo(...) para impedir a progressão do exército de Fidié(...) Embora derrotados, os valorosos soldados brasileiros conseguiram o seu objetivo principal: impediram a marcha de Fidié para Oeiras, preservando a vitória da revolução nessa capital. Não há relato de evento com maior magnitude nas lutas pela independência.” (Diário do Senado Federal,Brasília, 2002, p. 02075-02076).

Quatro anos depois, em 2006,novamente o Senado Federal prestou homenagens aos heróis piauienses que tombaram pela Liberdade pelas palavras do senador Mão Santa (PMDB/PI:
 ... a democracia é o povo e foi o povo que a construiu(...) D. João VI disse: antes que algum aventureiro coloque a coroa, filho, coloque-a(...) Aí, ele passou: “o filho[. Pedro I] ficava com o sul e ele [Dom João VI] ficava com o norte [para isso] mandou seu afilhado ]Fidié] (...) Ele [Fidié] veio, e o pegamos na volta[ de Parnaíba], em Campo Maior, em 13 de março(...) Forte e bravo foi o piauiense(...) O piauiense botou o português[Fidié] para fora.” (Diário do Senado Federal, Brasília, 2006, p.07725).

Um ano mais tarde, novamente sob a presidência do Senador César Borges, o Senado Federal realizou uma sessão solene em homenagem aos 184 anos da Batalha do Jenipapo. Num trecho do seu discurso o Senador Mão Santa (PMDB/PI) afirmou:
Então, essa é a grande data! É por isso, é só por isso, que este Brasil é tão grande!É uno! (...)

Alias, o ex-presidente Castello Banco, cujos ancestrais são piauienses de Campo Maior, reconheceu essa Batalha como uma das mais dignas e honrosas [da nossa História] ( Diário do Senado Federal, 2007, p.05093).

E no ano passado,em 2008, mais um vez o Senado Federal homenageou a lutas dos piauienses pela consolidação da Independência do Brasil por intermédio do Senador Mão Santa(PMDB/PI):
Então, no Piauí, em 13 de março de 1823, que piauienses, liderados pelo grande empresário Simplício Dias da Silva, da minha cidade de Parnaíba, arregimentaram heróis de Campo Maior, de Oeiras e do Estado vizinho do Ceará e enfrentaram o exército português (...) Perdemos a Batalha, mas, enquanto isso, Oeiras era tomada pelo povo, em 24 de janeiro [de 1824]. (Diário do Senado Federal, Brasília, 2008, p.05093).

Assim, depois de fazer uma breve apanhado sobre o reflexo da Batalha do Jenipapo no Congresso Nacional , de forma mais intensa a partir de 2003 – e acreditando que o Congresso Nacional fará outras sessões solenes como forma de comemorar tão importante data, encerramos este breve ensaio na certeza de que no futuro próximo, possa este tema ainda ser ampliado, estudado e pesquisado por todos aqueles estudiosos e pesquisadores que desejam conhecer mais e melhor a História do Brasil.

Chico Castro - Brasília