VIVER TERESINA

É um espaço destinado a colher informações e a divulgar a poesia contemporânea brasileira, a tradição poética nacional e a vanguarda internacional. Historiadores e ensaístas poderão publicar também textos sobre a história do Brasil. O nome Viver Teresina é uma homenagem a um movimento literário criado pelo escritor Menezes y Morais nos anos 70 em Teresina.

Email: chicocastropi@gmail.com


domingo, 11 de julho de 2010

ADIVINHE QUEM VEM PARA JANTAR



Foi no antigo Cine Royal, numa daquelas sessões de cinema de Arte, que assisti, em meado dos anos 70, ao filme Adivinhe quem vem para o jantar, de 1967, do diretor Stanley Kramer, com Spencer Tracy, Katharine Hepburn e Sidney Poitier nos papéis principais. Depois de 106 minutos de duração de uma das obras valiosas da filmografia mundial, nós pobres mortais ficamos sabendo a história de um bem-sucedido, fino e elegante médico negro, cuja fama já havia extrapolado os limites de seu país. O rapaz encontra-se com uma garota branca, filha de um casal de classe média norte-americana, e começa um tórrido romance. Até aí tudo bem. Só que os dois pombinhos resolvem se casar. A partir desse momento desenvolve-se toda a trama da película: o casamento inter-racial nos Estados Unidos, país tido e havido como exemplo de democracia para o planeta.

Quando a moça leva o famoso médico para apresentá-lo à família, abre-se uma longa e penosa discussão sobre tão inusitado acontecimento. Os pais da moça, liberais nas discussões sobre o preconceito racial, muito comum dos EUA nos anos 60, demonstram, porém, espanto diante da possibilidade da filha casar-se com um negro. Não menos especular foi a reação dos pais do médico, que se surpreendem quando a moça é apresentada a eles no aeroporto. O que demonstra que o preconceito racial é uma avenida de mão dupla. Num dos diálogos mais famosos do cinema, o genitor do médico questiona se ele tem pleno conhecimento, sendo um homem de cor, do passo que vai dar. O filho responde: “Eu não penso como uma pessoa de cor, mas como homem.”. No final, depois de um belo discurso, o pai da moça convida a todos para um jantar. Os convidados sentam-se à mesa, e a felicidade cai como um manto sobre a sagrada família!

A eleição de Barak Obama para a presidência dos Estados Unidos me fez lembrar novamente do filme. Obama, advogado dos mais ilustres, formado em duas das melhores universidades americanas, chega ao topo do poder em nível global. A imprensa fez a cobertura colocando o fato como uma mudança nos rumos da política na Terra do Tio Sam. Afinal, um negro chegou à presidência do país, onde há 40 anos, era um crime, em alguns estados, o casamento inter-racial. Que os 62 milhões de votos conseguidos pelo democrata vão acabar, de um só golpe, com a hegemonia conservadora que, derrotada pelo sufrágio universal, será jogada para sempre num lago de fogo. Que Obama sendo um homem de cor, muda-se da noite para o dia, o eixo das complexas relações seculares entre brancos e negros. Certo? Errado.

Assim como no filme, embora no final todos, brancos e negros sentam-se à mesa, simbolizando que o preconceito ruiu com um simples jantar, a eleição de Obama não significa também que o preconceito racial nos EUA acabou com a chegada de um negro à Casa Branca. Em primeiro lugar, devo dizer que a eleição de Obama foi mais um gesto de protesto contra a desastrada administração Bush do que propriamente uma quebra de um preconceito racial. Para mim, democratas e republicanos são farinha do mesmo saco, e a simples diferença na pigmentação da pele, não é o paradigma para qualquer mudança na estrutura da sociedade americana. Vale lembrar que as emendas 13, 14 e 15, feitas à Constituição daquele país, votadas entre 1865 a 1870, que estabeleceu a igualdade racial, somente um século mais tarde, teve sua vigência reconhecida pela implantação dos direitos civis, o que custou, como se sabe, o vida de Martim Luther King.

Obama tem a alma branca . Antes de ser um negro, ele é um cidadão norte-americano, educado para ver a América como um farol do mundo, expressão, alias, que usou no seu discurso da vitória. A diferença entre democratas e republicanos é que os primeiros sabem sentar-se à mesa, assim como o personagem do filme, e desfrutar um saboroso jantar, tendo os brancos como anfitriões. Enquanto os republicanos comem um churrasco pegando as carnes com as mãos, para depois enxugá-las passando as mesmas pelos cantos da boca. Os democratas conversam, depois atiram. Os republicanos atiram, depois mentem para todos nós. Os democratas fazem a guerra colocando algodão entre os cristais. Os republicanos forjam a guerra colocando-a no horário nobre da TV. Os democratas são mais urbanos. Os republicanos, caipiras. Mas ambos fizeram a Guerra da Secessão que ensangüentou as cidades e os campos da América, no século XIX.

Posso até queimar a minha língua. Mas Obama vai fazer o que todos os políticos já fizeram. Prometem mundos e fundos na campanha e, uma vez no poder, fazem exatamente o contrário. Para nós, brasileiros, nada mais nos causa espanto. Pois, desde o século passado, as mudanças surgiram para deixar o povo no cantinho onde sempre esteve. Ou seja, em lugar nenhum. Melhor do que Obama é ver um gol de Obina, diz um amigo meu, torcedor do Flamengo. Eu, como bom vascaíno, não posso sequer atirar num urubu. Porque, se isso acontecer, vou ser preso por ordem do IBAMA.

Chico Castro - Brasília 11/11/2008

Nenhum comentário:

Postar um comentário