VIVER TERESINA

É um espaço destinado a colher informações e a divulgar a poesia contemporânea brasileira, a tradição poética nacional e a vanguarda internacional. Historiadores e ensaístas poderão publicar também textos sobre a história do Brasil. O nome Viver Teresina é uma homenagem a um movimento literário criado pelo escritor Menezes y Morais nos anos 70 em Teresina.

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terça-feira, 6 de julho de 2010

A ARTE DE FURTAR OU A REVOLUÇÃO DO PANETONE


Pelo brilhante prefácio do imortal João Ubaldo Ribeiro ficamos sabendo que o livro A Arte de Furtar (LPM, RGS, 2005, 312p) surgiu para o grande público numa segunda edição em 1744 (a primeira, reza a lenda, é de 1652), de autoria atribuída ao padre Antonio Vieira. Certo? Errado. É um anônimo. A obra é dedicado ao rei D. João IV (1604-1656). Quando veio a segunda edição o rei era outro Dom João V, conhecido perdulário e mulherengo (ele tinha uma atração por freiras: consta que teria levado mais de trezentas para o seu leito monarcal) que quase levou o reino de Portugal à mingua, caso não fosse a firme posição de seu filho e sucessor, D. José I (devemos a este soberano a elevação do Piauí à condição de Capitania) que, ao nomear o Marquês de Pombal ministro dos ministros, salvou a pátria lusitana de uma crise de proporções semelhantes ao terremoto de que foi vítima Lisboa em 1755.

De que trata então A Arte de Furtar? O livro aborda um assunto tão velho quanto o sol: o roubo, um dos vícios mais difundidos na Humanidade desde que o mundo é mundo. Se o senso comum pensa que a corrupção, injustiças, fraudes em compras públicas, peculato, estelionato, especulação, tráfico de influências, superfaturamento, suborno, cabides de empregos, funcionários fantasmas, nepotismo, políticos nefastos são produtos dos tempos modernos, a prosa barroca da obra citada, mostra em pleno século XVIII que o buraco é bem mais em baixo do que imagina a nossa vã e doce consciência. O homem sempre foi o lobo do homem, diz em certo trecho o prefaciador. E é verdade. A diferença é que os ladrões de hoje são mais cínicos do que os de antigamente, e nós, pobres mortais não levamos, como os nossos antepassados, muito tempo para saber sobre as falcatruas. Até que um alvará de punição saísse de Lisboa para a América Portuguesa, a vaca profana do furto há muito tinha ido pastar em outros brejos. A modernidade tem lá também as suas delícias: sabemos na mesma hora tudo o que se passa na cueca dos outros ou o que está sendo enfiado meias adentro. Belo consolo.

A política é a gazua da corrupção. Quando os portugueses retomaram a Bahia das mãos dos judeus- holandeses da Reforma, (os batavos invadiram a Terra de Todos os Santos em 1624), o rei de Portugal entregou a D. Fradique de Toledo dois ou três milhões de cruzados para as despesas da guerra. Expulsos os flamengos, houve uma briga entre Fradique e conde de Olivares pelo bezerro de ouro. Olivares pediu um ajuste de contas, contas mesmo, grana, mané, porque achou que o dinheiro não havia sido aplicado como deveria ser. Olivares pegou a pena e papel e viu que somando tudo, não chegava à casa de meio milhão! Vendo-se apertado, sem ter como explicar tamanha gastança, Fradique disse que os 2,5 milhões haviam sido consumidos mandando rezar missas em memória das almas daqueles que deram a vida pelo progresso Brasil!!!!! Daí, criou-se um mito de que “como os maiores ladrões são os que têm por ofício livrar-nos de outros ladrões”, Fradique ainda argumentou que uma grande parte do dinheiro “se foi por entre os dedos das unhas militares, porque dinheiro que corre por muitas mãos é como o pez do breu, que logo se pega aos dedos e mete por entre unhas”. Desculpas e metáforas esfarrapadas do século XVIII que se repetem em pleno século XXI.

À primeira vista o mundo parece um sindicato ou um covil de ladrões. Agora, meus amigos, sejamos sinceros. Política e corrupção são como duas irmãs siamesas que nem a medicina da mais alta resolução é capaz separá-las. Mas, espera aí: e os outros? Como dizia um macaco que fazia parte de um show de humor no Brasil nos anos 80. Onde estão os outros ladrões? O roubo no Brasil é corporativo. Um governador ou um presidente da República é mais preocupado em indicar logo que assume, alguém de sua confiança para ocupar um cargo nos tribunais de contas dos estados ou no Tribunal de Contas da União. A pressa não é inimiga da perfeição?. Tudo farinha do mesmo saco, com raras exceções, lógico, porque ninguém é de ferro; afinal, é de ouro mesmo que se fizeram as fortunas de passado, o ouro das Minas Gerais levado para Lisboa e depois para a Inglaterra, para embelezar os espelhos, as torneiras, as pias, os vasos onde eram evacuados os imperiais detritos da natureza humana, muitas vezes postos na vastidão inexplicável do vazio das almas.

O escândalo de Brasília é de fazer os cerrados virarem os jardins da antiga Babilônia. Uma imagem, afirmam os chineses, vale por mil palavras. Quando eu vi o Governador Arruda embolsar um pacote de dinheiro, pensei comigo: e os outros? Ah, se houvesse uma câmara daquelas escondidas pelos palácios do Brasil! Para que serve o voto? Votamos para dar o direito de alguém roubar em nome do nosso santo nome. Para que serve a polícia, o judiciário, a moral? O que realmente é a democracia? A possibilidade de eu ver na televisão as pessoas rezando ao redor do meu pobre dinheirinho, ou melhor, do nosso rico dinheirão, que poderia muito bem servir para fazer pontes, hospitais, escolas, estradas, estradas mesmo, e não apenas um arremedo de estradas; o dinheiro que poderia ser aplicado em investimentos, em pesquisas de todos os naipes, no samba, na poesia e no carnaval. Estamos todos fritos. Elegemos os ladrões que vão nos roubar e eles não se incomodam com nada. Sabem que não vai dar em nada. Daqui a pouco, esquecemos tudo, como todo esquecimento. Quantas vezes ouvimos alguém dizer que não sabia de nada? Que tudo não passava de intriga da oposição. Mas que oposição? Se na calada da noite ou ao sol do meio-dia todos os gatos são pardos.

Ladrão que rouba ladrão tem cem anos de paredão! Quantos anos de paredão deveria pegar um político ladrão que rouba um povo honesto e trabalhador como o brasileiro? O povo também é ladrão? Político-ladrão é o binômio que se ouve na voz rouca das multidões. Mas por que um povo honesto e trabalhador como o brasileiro elege tantos ladrões? Vamos devagar com o andor. Os nossos representantes são ladrões de um povo honesto? ou o povo é desonesto e por isso elege os corruptos? Qual das opções você escolhe, meu leitor, meu irmão? Claro, claro, claro, nem todos os políticos usam e abusam do que não lhes pertencem. Claro, claro, claro, conheço políticos probos, dignos e sérios. No século XIX no Brasil havia dois partidos: os liberais e os conservadores. Alguém chegou a dizer que não havia nada mais de conservador do que um liberal no Governo, da mesma forma que não havia ninguém mais oposicionista do que um conservador na oposição. Ou seja: todo governista é otimista. Toda oposição é pessimista. Para os primeiros, vivemos no melhor dos mundos. Para os últimos, vivemos numa terra arrasada. Portanto, vamos abrir a caixa de Pandora do Governo e da Oposição. Certamente, nem a esperança encontrará ali mais abrigo.

Mas o Grande Ladrão ninguém conhece. Conhecemos os afoitos. Aqueles que tem inveja do ladrão desconhecido sobre a cabeça ou o túmulo dos quais os governantes de todo o mundo prestam homenagens com flores e tiros de canhão. Sim, o ladrão desconhecido. Sim, aquele que rouba a nossa consciência, aquele que entra virtualmente em nossa casa, aquele que embala a nossa fantasia enquanto nos divertimos. Seria a cultura um modo de não enxergar o Grande Ladrão? De fato, a cultura engrandece a nossa alma, mas também pode ser usada para entorpecer os nossos corações. Há uma diferença entre o oficial e o real. O oficial é isso: sou inocente até que se prove o contrário, apesar das imagens que falam por si, é verdade, as imagens falam por si, sim, senhor, presidente, senhor governador. Como não? Por muito menos se prende um ladrão de galinhas ou por um pote de manteiga uma mulher grávida amarga três meses sem nenhum julgamento. O real é isso: não conhecemos o Grande Ladrão, o Ladrão Universal, Wall Street, aquele que se faz passar por cordeiro, aquele que se faz de eterna vítima, de coitadinho, quando na realidade é rico, vive com as burras cheias, inclusive de ódios e de separações, de muros que se criam a toda hora, para que ninguém possa ver no horizonte o Grande Ladrão.

Quem será o ladrão do ano? Vou esperar ansiosamente por este espetáculo. Câmaras, luz, ação. Eis que surge o ladrão do ano, para o aplauso de todos. Vamos homenageá-los com medalhas e diplomas, vamos soltar fogos de artifícios pelo céu azul e anil, vamos brindar com a melhor taça a entrada triunfal do ladrão do ano em nossas casas.

Bem, já que estamos perto do Natal e do Ano Novo, que tal perdoar os nossos ladrões? Perdoar colocando-os na cadeia. Faço um apelo: vamos colocar um tapete vermelho para os nossos amados ladrões em cada corredor, em cada cela. Eles merecem. Nós, não. Somos apenas espelho de enganos, teatro de inverdades, possuidores de horas minguadas, gazua descartável do reino da sacanagem oficial, do que nunca se emenda, como se tomando pouco se rouba mais do que tomando muito; dos ladrões que nos roubam e ainda acreditam que não devem nada a ninguém, que se escondem atrás das leis, da imunidade parlamentar, de gravatas importadas, de ternos de fino trato, de mulheres escandalosamente lindas que se enroscam aos que furtam com as unhas disfarçadas. E o que é pior, ainda prestamos divindade ao vício e não à virtude. Belo e contínuo vício. Ao que parece, esta deformidade vai perdurar pelos séculos, porque a ciência de furtar é coisa de nobre, e somente pensando assim, continuamos a prestar as mais dignas homenagens a quem nos engana.

Chico Castro - Brasília/08/12/2009

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