Mesmo sem ser um especialista em cristianismo, apesar de há muito meditar sobre tão palpitante tema, peço licença ao leitor a fim de tratar de um assunto que já encontrou abrigo e foi objeto de análise dos mais renomados estudiosos da bíblia em todo mundo: o grandioso e contraditório mito de Maria Madalena, para muitos uma prostituta, para outros a verdadeira fundadora da fé cristã.
Quem foi realmente essa misteriosa mulher? Neste ponto, os quatros evangélicos chamados de sinóticos, não são assim tão coerentes entre si. No capítulo 26, versículo 6-13 do livro de Mateus, é descrita uma cena cinematográfica: Jesus estava em Betânia, em casa de Simão, o leproso, quando surge uma mulher trazendo um frasco de alabastro de perfume precioso e pôs-se a derramá-lo sobre a cabeça do Mestre. Não é dito o nome dela, nem a região a que pertencia. Cristo estava acompanhado pelos seus discípulos que reclamaram do desperdício, uma vez que o dinheiro para a aquisição da essência, poderia ser distribuído aos pobres.
O episódio aconteceu antes da paixão do Senhor. Pelo o que é descrito posteriormente, é incontestável que a mulher seja Maria Madalena, pois Jesus afirma que ela derramando o perfume sobre o corpo dele “o fez para me sepultar”. (Mateus 26,12). A comprovação vem no final do parágrafo, quando o rabi diz textualmente: “Em verdade, vos digo que, onde quer que venha a ser proclamado o Evangelho, em todo mundo, também o que ela fez será contado em sua memória”. (Mateus, 26,13). Na nota “s” da bíblia de Jerusalém, na página 1888, edições Paulinas, 1980, é afirmado que a tal mulher é Madalena, a primeira a ver o Cristo ressuscitado, conforme o evangelho de João 20,18.
Em Marcos, capítulo 14, versículos 3-9, a narrativa é quase semelhante à de Mateus, sendo que os pormenores não tiram o brilho de ambas as descrições. Apenas em Marcos é dito que a mulher “quebrou” o frasco e não “derramou” como é relatado por Mateus. Marcos também não dá nome à referida mulher, mas pelo contexto, pode se fielmente supor que se trata de Maria, de Mágdala. Quem lê o trecho fica sabendo que o perfume era de nardo e o preço girava em torno de 300 denários, uma verdadeira fortuna para os padrões da época.
Já no evangelho de Lucas, capítulo 7, versículos 36-50, a história é outra, e tem sido causa de grandes debates entre estudiosos do assunto, em função do equívoco que se estabeleceu ao longo dos séculos. Jesus está na casa de um fariseu, e não na casa de Simão, quando apareceu uma mulher. Vale ressaltar que nas descrições de Mateus, Marcos e depois na de João, a mulher não recebe qualquer qualificação depreciativa. A personagem da narrativa de Lucas traz também um alabastro com perfume, chora, e depois lava os pés de Jesus com suas lágrimas, enxugando-os com os seus cabelos. Aí, sim, nesta passagem ela é identificada como a pecadora, não sendo, portanto, Maria Madalena, a que primeiro viu o Senhor ressuscitado. Em Lucas, Jesus não coloca a mulher como aquela que vai ser lembrada, pelos milênios seguintes, como uma das propagadoras da Boa-Nova.
Por fim, em João, capítulo 12, versículos 1-8, uma outra janela se abre nessa controvérsia. Ali, a personagem central é Maria, a irmã de Marta e de Lázaro, o leproso que o Senhor havia ressuscitado. A confusão é que, neste caso, não surge nenhuma mulher vindo de fora, mas de dentro da casa. E ela é Maria, que repetindo o gesto narrado por Mateus e Marcos, unge os pés do Senhor e os enxuga com os seus cabelos. Assim, para o mesmo fato temos três marias: a suposta Madalena, de Mateus e Marcos, a pecadora, de Lucas, e Maria, a irmã de Lázaro.
Não se pode assim, pois, confundir a prostituta que aparece no relato de Lucas, com Maria de Betânia, irmã de Lázaro e Marta, narrada por João, nem com Maria Madalena, a Santa, descrita em Mateus, Marcos. A bíblia não deixa nenhuma dúvida que existiram as três mulheres, e que elas, embora diferentes entre si, foram personagens de um mesmo ato pelo o que ele tem de grandioso e humano. Porém por uma leitura mal feita, com ou sem intenção, ao longo de dois mil anos de cristianismo, a impressão que ficou no imaginário popular é a de que uma prostituta se transformou numa santa.
Antes de concluir estas breves meditações, quero dizer que a idéia de escrevê-las surgiu domingo à noite, quando assistia ao Programa Fantástico, da Rede Globo de Televisão. Na reportagem, foi perguntado a um monge do Convento de São Bento, no Rio de Janeiro, sobre o papel de Maria Madalena na história cristã. Para o meu espanto, o religioso respondeu que a personagem em questão tinha o inegável mérito de ter saído da condição de prostituta para se transformar numa discípula de Jesus. Pobre de nós cristãos. Pois ainda por muitos séculos teremos de ouvir padres e pastores evangélicos repetirem o mesmo e inopinado equívoco histórico do cristianismo.
Chico Castro - Brasília/2008
Prezado Chico Castro
ResponderExcluirAs Mulheres de Jesus.Para um fanático religioso até assusta.Mas quando a maturidade chega, e ela somente chega com a vida de pelo menos, meio século de anos bem articulado, acho até que de alguma forma sofridos,o que se tem mesmo é tolerância.Isto, tolerância.Tecnicamente tem-se um texto redondo.O conteúdo é temerário, afinaldois mil anos se passara, não dez anos, dois mil anos e mais dez de sobra,e muitas já foram as leituras e releituras dos evangelhos.E estas múltiplas leituras justificaram as Cruzada, a Inquisição Ibérica,dentre tantas idas e vinda do homem.A mim nenhuma importância tem, olhar dois mil anos, e neles desconfiar se Maria era ou não virgem, se teve ou não outros filhos.A mim emociona é o canto dos versos do profeta Jeremias, entoado por Maria Beú na procissão do Bom Jesus dos Passos de Oeiras.Cada sílaba de Verônica um açoite, e neles e deles carnes, peles e sangue humano saltam dentro de mim e na minha visão de um humano que crer.Pois creio na ressureição, o mais são palavrad ao vento, que nada me trazem, que nada me dizem.Parabens.