VIVER TERESINA

É um espaço destinado a colher informações e a divulgar a poesia contemporânea brasileira, a tradição poética nacional e a vanguarda internacional. Historiadores e ensaístas poderão publicar também textos sobre a história do Brasil. O nome Viver Teresina é uma homenagem a um movimento literário criado pelo escritor Menezes y Morais nos anos 70 em Teresina.

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quinta-feira, 3 de junho de 2010

PEQUENA HISTÓRIA DO PALÁCIO DE KARNAK



Sempre houve controvérsias acerca da toponímia Karnak. No antigo Egito era o nome de uma comunidade dedicada aos deuses imortais, localizada à margem direita do rio Nilo, a 4 km de Luxor. Há aproximadamente cinco mil anos, os egípcios já haviam alcançado um estágio elevadíssimo de civilização.

A edificação da pequena cidade, segundo a lenda, se deu no lugar onde outrora o deus Amon criara o mundo. Ao longo das margens do grande rio foram construídos templos e tumbas em que foram utilizadas as mais refinadas técnicas de arquitetura, muitas das quais, modernamente falando, ainda guardam enigmas indecifráveis.

O início das obras do Templo de Karnak deu-se na 12ª dinastia e foi concluído na 25ª, cobrindo assim um período de dois mil anos de construção. O santuário, considerado o quarto maior do mundo, era conhecido pelo esplendor de suas linhas arquitetônicas. Os egípcios dedicaram-no ao deus Amon, à sua mulher Mut e ao filho Khenson.

Somente a imponente sala Hipostyla, a principal do Templo, conhecida como o bosque dos deuses, tinha 100 metros de largura por 50 metros de profundidade e era sustentada por 140 colunas colocadas em 16 fileiras. Toda magnificência era para justificar a condição do deus Amon como protetor dos tebanos, e por Tebas ter sido elevada ao patamar de capital do Egito.

Toda a área do Templo media 4 km de circunferência. Durante o largo período de 14 séculos esse legado cultural ficou no esquecimento, motivado sobretudo pela pressão do cristianismo, que não queria que o Ocidente tomasse conhecimento de tão grandes riquezas arqueológicas.

Coube a Napoleão Bonaparte (1769-1821), em sua sanha guerreira, após uma desbragada incursão pelas terras dos faraós, o mérito de ter redescoberto para a cultura ocidental as maravilhas de uma civilização que dormia sobre o pesadelo dos grandes escombros da bestialidade humana.

As ruínas só vieram ser conhecidas mais recentemente após a ocupação napoleônica (1792-1801), principalmente depois dos estudos do Instituto de França (1792-1813). O passo seguinte foi a publicação em 1822 do livro “Lettre à M. Dacier relative à l`alphabet des hiéroglyphos phonétiques”, de Jean-François Champollion (1790-1832), obra que continha os fundamentos da decifração dos hieróglifos egípcios, a partir da escrita da famosa Pedra Roseta, considerado um dos mais célebres episódios da história contemporânea.

Embora já houvesse sido objeto de estudo de historiadores clássicos como Heródoto (484-425 antes de Cristo), Estrabão (63 a.C - 20 d.C) e Deodoro, a redescoberta de novos sítios arqueológicos do Egito antigo deve-se a Auguste Mariette (1821-1881) que publica em 1875 o livro La Serapeum de Menphis, cabendo porém a fama posterior a Georges Legrain (1865-1917), a quem foi dado o duro ofício de desenterrar o Templo de Karnak, em 1895, e a recuperação da sala Hispotyla, em 1908, trabalhando incansavelmente em outros detalhes do ambicioso projeto até os momentos finais de sua vida.

Saindo do misterioso Egito e chegando à terra de Mafrense, quando Teresina foi fundada em 1852, o Alto da Jurubeba, onde hoje se situa a Igreja de São Benedito, em termos urbanos era a extremidade leste, portanto, a periferia da nova capital. O centro ficava no Largo do Amparo, mudado depois para Praça da Constituição, Praça Marechal Deodoro e, por fim, Parque da Bandeira.

Naquela época, muitas veredas que saíam da parte central da cidade em direção a leste da Chapada do Corisco eram interrompidas por cercas que impediam o acesso direito ao local em que se situa atualmente o Palácio de Karnak. Ali, era uma quinta, de mato fechado, segundo a opinião de ilustres estudiosos da história teresinense.

Antigamente, o local chamava-se Chácara Karnak. A posse inicial do imóvel era do Dr. Gabriel Ferreira (1848 –1905), o primeiro governador constitucional do Piauí, que instalou uma casa de ensino de grau médio em 1º de janeiro de 1890, destinada a preparar alunos para as escolas superiores e militar. O educandário funcionou até o final do século XIX.

Posteriormente, Gabriel Ferreira negociou a Chácara para o barão Mariano Gil Castelo Branco (1848-1935) que, por sua vez, vendeu-a para o governador João Luis Ferreira (1881-1927), filho de Gabriel Ferreira, por 100 contos de réis. Mas a transação comercial só pôde ser quitada pelo governador seguinte, Dr.Matias Olímpio (1882 –1967), em 1926, que transformou a antiga escola em sede do Governo Estadual.

João Luis Ferreira, engenheiro formado pela Escola Politécnica do Rio de Janeiro, era chegado à vida boêmia. Ainda como estudante na então capital federal, conheceu o escritor Lima Barreto (1881-1922). Quando o ficcionista escreveu O Triste Fim de Policarpo Quaresma dedicou-lhe a obra ao amigo piauiense. Em retribuição, Ferreira, ao assumir o Governo do Piauí em 1920, convidou-o para ser diretor da Imprensa Oficial do Estado. O dinheiro da fracassada viagem a Teresina, conta-se, foi gasto por Lima em inúmeras farras na graciosa noite da Belle Époque carioca!

Uma testemunha de época, a digníssima senhora Elvira Aguiar Freire, esposa do governador Antonino Freire,(1876-1934) contou anos depois ao jornalista Deoclécio Dantas que realmente o interesse de mudar a residência do barão em sede do Governo, partiu da vontade de João Luis Ferreira, que, aliás, tinha passado a sua infância naquele local.

Sabendo Mariano Gil do interesse do governador pela compra do prédio, saiu um belo dia montado em seu cavalo, tomando o rumo do Palácio do Governo, que no início dos anos 20 do século passado funcionava onde hoje é o Museu do Piauí, para fechar o negócio.

Talvez o motivo da venda tenha sido frustração causada pelo prematuro falecimento de Cândi, a filha adotiva do barão. Quem circulava pelas imediações do Karnak nos anos 20, narra o saudoso A. Tito Filho em seu livro Teresina, Meu Amor, quase sempre, podia ouvir, ao cair da tarde, as mais belas composições de Chopin tocadas pela jovem baronesa ao piano que o pai mandara vir da Europa. Cândi havia se tornado uma grande pianista pelas mãos da professora Ana Bugyja Britto.

Depois do acerto entre os dois, o projeto de transformar uma moradia particular em sede de Governo, acrescentando inclusive o pórtico, teve como autor o engenheiro Luis Mendes Ribeiro Gonçalves (1895-1984). Foi dele a iniciativa de grafar o nome Palácio de Karnak, e de coloca-lo na frente do edifício, depois estranhamente mandado retirar por ordens superiores. Gonçalves é também o criador do brasão do Estado do Piauí no qual adotou o verso “Impavidum ferient ruinae” – Os bravos não temem as ruínas, retirada das Odes (3, III), de autoria do poeta latino Horácio (65-8 a.C), dedicadas a César Augusto (63 a.C -14 d C).

Uma outra vertente de pensamento, não menos exitosa, sobre o estudo histórico e lingüístico do nome Karnak dado ao Palácio de Governo no Piauí, já foi lembrada pelo já citado erudito amarantino Luis Mendes Ribeiro Gonçalves. Em carta dirigida do Rio de Janeiro ao intelectual Arimateía Tito Filho, a 5 de julho de 1983, coloca um novo enfoque para desvendar as linhas da questão.

Para ele, citando a autoridade de Lucrécio Avelino, Karnak, com duas letras gregas “k” colocadas uma no início e outra no fim da palavra, tem sua origem, todavia, numa milenar tribo celta ligada ao tronco bretão do norte da França. Assim, Gabriel Ferreira ao colocar o nome Karnak em sua famosa Chácara, poderia ter-se inspirado na leitura da obra do escritor Eugène Sue (1804-1857), autor do livro “Mistères du Peuple”, considerado para muitos como o Charles Dickens francês.

Por esta origem gaulesa, Karnak deveria ser escrito Carnac, com a letra “c” começando e finalizando o vocábulo, ou aportuguesando-a como carnaque. Quem comunga também da procedência céltica é o renomado Dr. Demóstenes Avelino, reforçada pelo testemunho epistolar de Luis Mendes Ribeiro Gonçalves, pelo qual, Gabriel Ferreira, ao ter várias alternativas para a adoção do polêmico nome, teria sido levado a optar pela influência do romancista Sue e não pela origem egípcia do termo.

A dúvida que se coloca é que o escritor francês grafa também Karnak com dois “k”e não com dois “c”, como era de se esperar, dado o caráter etimológico da língua francesa. O certo é que Gabriel Ferreira, homem antenado com a modernidade do seu tempo, tinha conhecimento tanto da redescoberta arqueológicas do Egito, quanto do romance-folhetim, modalidade literária que havia alcançado enorme sucesso de público, um pouco antes e principalmente depois da segunda metade do século XIX na Europa e no Brasil.

O Palácio de Karnak, que durante muito tempo funcionou como residência oficial de chefes do Poder Executivo, completará em 2006, 80 anos como sede de Governo.Ao longo dos anos sofreu mudanças consideráveis feitas pelos governadores Matias Olimpio, Chagas Rodrigues (1922 - ) , Petrônio Portella (1925-1980) e notadamente Alberto Silva, que o definiu arquitetonicamente, colocando-o como um marco da moderna engenharia brasileira.

O governador Wellington Dias, sensível à preservação do Patrimônio Cultural do Estado, ao realizar mais uma nova reforma no prédio, entra para a história como um governante que soube dar o devido valor a um monumento que enche de orgulho e faz reverberar tamanho sentimento de louvor da nobre aspiração de grandeza a que sempre faz jus a nossa gente.

* Este texto é de 2004. Posteriormente foi aproveitado no meu livro A Coluna Prestes no Piauí (edições do Senado Federal, Brasília, 2007).

Chico Castro é jornalista e escritor.

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